quarta-feira, janeiro 21, 2009

 

CESSAÇAO DA VIGENCIA DA LEI

REVOGAÇAO:
-afastamento de uma lei por outra de valor hierarquico igual ou superior:

total (abrogaçao): atinge todo o conteudo da lei revogada
parcial(derrogaçao): atinge apenas parte do conteudo, deixando de vigorar algumas disposiçoes
RESCISAO
CADUCIDADE

 

APLICAÇAO DA LEI NO TEMPO

principio da irrectroactividade da lei:

a lei so dispoe para o futuro.
o Estado nao pode atraves de lei nova, perturbar relaçoes negando direitos que antes concedera aos individuos ou impondo lhes obrigaçoes que antes os considerava isentos. tem alcance geral e extensivo

 

Subjectivismo VS Objectivismo na interpretaçao da lei

Subjectivista: a lei deveria ser interpretada de acordo com a vontade do legislador

Objectivista: sentido da lei independentemente da vontade do legislador

 

INTEGRAÇAO DAS LACUNAS DA LEI

analogia: aplicaçao de um preceito juridico estabelecido para certo facto a outro facto juridicamente relevante mas sem directa ou implcita regulaçao e semelhante ao primeiro.

analogia de grau(legis) - disposiçao unica.

analogia de quantidade (iuris) - complexo de preceitos juridicos

 

ESPECIES DE INTERPRETAÇAO QUANTO AO RESULTADO

convergentes ou discordantes
INTERPRETAÇAO DECLARATIVA
interpretaçao logica, limita-se a declarar o contido nas palavras da lei
lato ou restrita: consoante entenda as expressoes com pluralidade de significados.
nada se estende, nada se restringe
coicidencia entre as palavras e o espirito
INTERPRETAÇAO EXTENSIVA E RESTRITIVA:
literal nao coincide com logica
nao há harmonia entre palavras e pensamento
o legislador disse mais ou menos do que queria
linguagem demasiado generica ou demasiado restrita
há que restringir a letra excessiva (restritiva) ou estender a letra deficiente(extensiva)
regra excepcional: estabelece-se para determinado caso que representa um desvio ao regime geral
INTERPRETAÇAO AB-ROGATORIA:
grande incompatibilidade de normas, certifica-se que o preceito nasceu morto e nao tem razao de ser. interpretaçao restritiva levado as ultimas instancias. tanto que se restringe lei que ela desaparece e o preceito fica sem conteudo
INTERPRETAÇAO ENUNCIATIVA:
A lei que autoriza um fim, autoriza os meios indispensaveis.
Se o fim é proibido, tambem sao os meios.
Quem tem direito ao mais, tem direito ao menos(a maiori ad minus)
Se é proibido o menos, tambem o é o mais (a minori ad maius)
Da excepçao, cria-se a regra oposta.

 

ELEMENTOS DA INTERPRETAÇAO

elemento literal - significado atraves das palavras em que a lei esta expressa

interpretaçao logica: racional, historico, sistematico

-racional: o legislador tem um fim: satisfaçao de determinada capacacidade que ele sente como justificativa do preceito a que constitui: a sua razao de ser (ratio legis). Quando nao se formulou o meio correcto ou o mesmo fim é susceptivel de ser atingindo por mais que um caminho é necessario apurar o verdadeiro sentido da lei. nestes casos o elemento racional é insuficiente.

-historico: trabalhos preparatorios da lei (projectos, discussao especializada, na AR, etc)

-sistematico: integraçao num sistema coordenado do preceito a interpretar. o preceito nao vive por si, enquadra-se num conjunto com principio, meio e fim.

terça-feira, janeiro 20, 2009

 

INTERPRETAÇAO E INTEGRAÇAO DA LEI

Interpretaçao: a lei nao se reduz à sua letra. o elemento espiritual é decisivo: pensamento legislativo. art9 CC

Stricto sensu: determinaçao do verdadeiro sentido das normas explicitadas. esclarecimento da norma

Lato sensu: stricto sensu mais a descoberta das soluçoes aplicaveis nos casos omissos, nos casos onde o legislador nao se pronunciou. integraçao da omissao da norma

Atraves da integraçao o julgador procura surpreender o espirito geral o espirito geral do sistema legislativo, nele se baseando para descobrir as soluçoes nao expressas.


NECESSIDADE DE INTERPRETAÇAO

in claris non interpretatio: se a lei é clara nao ha que interpreta la.

 

INEXISTENCIA JURIDICA, INVALIDADE E INEFICACIA DA LEI

os actos juridicos podem nao reunir todos os requisitos necessarios para produzirem efeitos juridicos. ameaçados de ineficacia juridica.

inexistencia juridica: o acto nao se amolda ao tipo legal em que se pretende situar porque nao se ajusta à sua natureza tal como a lei a define mas tambem pq nao se enquadra em qualquer outro tipo legal nem vale como acto atipico.

invalidade: o acto existe juridicamente mas padece de algum defeito de formaçao que o priva de eficacia ou torna precaria essa eficacia.

Ha dois tipos de invalidade:

-nulidade: nao produz efeitos e destina se a salvaguardar os interesses publicos e pode ser declarada pelo tribunal a todo o tempo mediante arguiçao de qualquer interessado ou iniciativa do tribunal, oficiosamente, sempre que o processo revele elementos que possam certificar a sua existencia e criar consequencias com relevancia para o pleito.

-anulabilidade: produz efeitos precarios. é valido mas pode ser anulado e passa a ser tratado como nulo. destina se a salvaguardar interesse particular


ineficacia da lei (stricto sensu): o acto nao possui segundo a lei qualquer defeito mas nao obedece a um requisito extrinseco. pode ser a ocorrencia de um facto que desencadeia a eficacia ou que destroi retroactivamente a eficacia entretanto operada.

inexistencia juridica ou invalidade presupoe a sua ilegalidade. ao praticar-se um acto nao se observam os requisitos que a lei considera necesarios para produzir consequencias juridicas

 

REGULAMENTOS

CRP art 112 nº 7 e 8

é fonte de direito

lei no sentido material

regulamento é toda a regra juridica emanada duma autoridade administrativa sobre materia da sua competencia.

o regulamento encontra se abaixo da lei ou decreto lei e so funciona onde a lei o permite e só sobre materias nao descriminadas pela lei.

o regulamento pode se revogdo pela lei mas nao o contrario.

 

Elaboraçao da Lei

1º formaçao da lei

2ºpromulgaçao

3º publicaçao

4º entrada em vigor

a lei começa por um projecto apresentado à AR pelos deputados, grupos parlamentares e Governo.

iniciativa legislativa(art 167 n1) traduz-se na elaboraçao de um texto que se chama projecto lei quando elaborado pelos deputados ou grupos parlamentares e proposta quando pelo governo. segue para debate e votaçao(art 168).

de seguida apos aprovaçao pela AR, o PR tem queatestar solenemente a existencia da lei e ordena que ela se execute (art134b e 136).

depois vem a referenda do governo art 140 e a publicaçao no diario da republica

Vacatio Legis

simultaneo - a lei entra em vigor entra em vigor em toda a parte ao mesmo tempo
sucessivo - a lei vai-se tornando pouco a pouco obrigatoria conforme a maior ou menor distancia com a capital.

Vacatio Legis - definida na lei 74/98 de 11 de novembro: a eficacia juridica de qualquer diploma depende da sua publicaçao no DR

 

Fontes do Direito

Direito positivo nasce, evolui e morre.

na criaçao do direito ha duas fontes:

iuris essendi - a preparaçao e apresentaçao de um projecto ou proposta, a sua discussao, votaçao, promulgaçao e publicaçao

iuris cognoscendi - texto publicado

fontes de direito em sentido formal:

lei, conjunto de principios que regem todos os seres

lei como principio - acepçao ampla - leis normativas ou fisicas
lei como sinonimo de direito - acepçao intermedia
leis como modo de formaçao de direito positivo - acepçao restrita. principio: lei deriva do estado (criaçao, emanaçao). fim: destina-se a produzir direito. fonte voluntaria, consciente, reflectida, intencional

lei material e lei formal:

material pq o conteúdo é sempre o mesmo: regra juridica enunciada pelo estado
formal enquanto actividade legislativa
CRP nº3 - principio da legalidade,12 igualdade,112 - normatividade dos actos legislativos,13,18

costume, emanaçao instintiva da consciencia social. instintos da imitaçao e habito.
criaçao de direito atraves da propria observancia, é mais facil copiar que inovar. de individual a social pela aceitaçao social e pelo nascimento do sentimento de obrigatoriedade.

exterioridade: repetiçao material dos actos
interioridade: persuaçao da obrigatoriedade como juridicamente exigivel

costume que na mente dos individuos nao atinge um grau de intensidade que torne uma norma susceptivel de coacçao em caso de desobediencia é apenas uso.

requisitos do costume:

-um uso- elemento material do costume, acçao externa, geral e racional
-a consciencia da obrigatoriedade juridica, espiritual e psicologico

generalidade - adopçao por parte de um circulo de interessados. minimo de consistencia que o uso deve ter para n ser so para pratica individual nem para se tornar norma juridica

racionalidade - uma pratica nao contraria à natureza fisica ou moral do homem e aos principios superiores de justiça

espiritualidade e psicologia - correspondencia a uma exigencia juridica. imperatividade que torne forçoso o seu acatamento

Especies de Costume:

secundum legem: conforme com a lei - pratica de atribuir determinado sentido a uma lei duvidosa na susa interpretaçao

praeter legem: para la da lei - a vida é mais complexa do que a imaginaçao do legislador, lacunas na lei

contra legem: costume vai contra a lei: pode revoga la


Costume como fonte do direito portugues:

codigo civil nº1
codigo civil nº 348 (1 e 2 e 3)
crp nº8 nº 1
codigo civil nº 65 nº1


DOUTRINA

nao é fonte de direito porque nao cria direito novo mas elabora e desenvolve material juridico.

tem por objecto:

-conhecimento sistematico do direito
-esta as varias normas esparsas pelos codigos ou outras leis
-procura determinar o seu valor e extensao
-investiga as conexoes existentes entre elas~
-sobe aos principios que dominam as leis atraves de sintese
-extrai conclusoes e consequencias das leis
-liga estes dados todos num todo organico que é o sistema de direito cientificamente considerado

nao cria direito, apenas desenvolve o conteudo latente
nenhuma opiniao possui obrigatoriedade
a comunis opinio doctorum nao é fonte de direito


Jurisprudencia

actividade dos tribunais: conjunto das decisoes atraves das quais eles resolvem os litigios que lhes sao submetidos

juiz é o intermediario entre o direito e a vida
nao é fonte de direito pois nao o cria, apenas o aplica: aplicaçao do direito, explicito ou implicito no sistema juridico

assentos tinham eficacia normativa, serviam para resolver litigios pendentes e entravam na actividade legislativa material.

decisoes judiciais com força de lei - decisoes do TC com força obrigatoria de lei art 122 n1 alinea g)

segunda-feira, janeiro 19, 2009

 

Direito Objectivo VS Direito Subjectivo

Direito: Norma enquanto regra de conduta e enquanto poder/faculdade.

Direito objectivo é a norma do agir. abstracto
Direito subjectivo é a faculdade de agir. concreto

O primeiro está fora e acima dos individuos que governa e o segundo se insere neles.

 

Direito Natural VS Direito Positivo

Direito Positivo: direito posto na sociedade (ius in civitate positum). conjunto de normas juridicas que nos regem: codigos, leis avulsas, costume. obra humana.objectivo: atingir fins de justiça

Direito natural: reflexo imediato da justiça. regrqas normativas fundadas na essencia humana. reduz-se a um peculio muito limitado de principios imutaveis

 

Leis Normativas VS Leis Físicas

leis físicas exprimem relaçoes necessarias entre as coisas, aplicam-se de forma invariavel e constante independentemente da vontade dos homens. explicativas

leis normativas sao as leis que formam o direito. imperativas

ESTRUTURA DA NORMA JURIDICA

previsao: descriçao do facto/ situaçao factica que a norma pretende regular

estatuiçao: estabelece a regulaçao da previsao. determina as consequencias juridicas

caracter hipotetico: se algo acontecer (previsao) tem como consequencia (estatuiçao)

 

DIREITO

INTRODUÇAO AO ESTUDO DO DIREITO

FIM

sexta-feira, janeiro 16, 2009

 

iec11

CAPÍTULO XI – Economia monetária
11.1. Noção de moeda.
Depois de uma fase primitiva caracterizada pelas trocas directas, a
humanidade sentiu necessidade de utilizar determinados bens, que pela sua
raridade fossem aceites como instrumentos gerais de trocas (como o sal, o
marfim, os metais preciosos, as tâmaras ou as conchas especialmente raras e
valiosas). Depressa se verificou a dificuldade na troca de uns bens por outros,
segundo o princípio da divisão do trabalho, mas também se revelou
indispensável adoptar uma medida comum de valores, para facilitar as
transacções, sem estar a usar um complexo sistema de comparação entre
bens diferentes. Quanto custaria um cavalo em sacos de trigo? Qual o valor de
um serviço prestado por um ferrador traduzido em frangos de capoeira? E
como fazer quando os valores não eram certos na respectiva correspondência?
Daí a necessidade de um instrumento de trocas.


A moeda é um elemento fundamental para o funcionamento da economia.
Pressupõe a realização de trocas na satisfação das necessidades humanas.
Não se trata, porém, apenas de um mero instrumento de trocas ou de uma
unidade de cálculo. É mais do que isso. A moeda não tem, como julgava Jean-
Baptiste Say (1767-1832), uma função meramente instrumental na vida
económica. A economia monetária envolve um conjunto muito vasto de temas -
desde a oferta e a procura de moeda até à emissão, à criação de moeda pelo
sistema bancário, passando pelo valor da moeda, pela relação entre massa
monetária, rendimento, consumo, poupança e transacções, pelas taxas de juro
e pelas relações cambiais entre diferentes espaços monetários…
Etimologicamente a palavra moeda provém de moneta, substantivo ligado ao
verbo latino monere, que significa advertir quanto ao futuro. Estamos sob a
inspiração da deusa Juno, que advertia os mortais anunciando-lhes o futuro.

Quais as funções da moeda?

São fundamentalmente três:

(a) instrumento geral de trocas,

(b) medida comum de valores e

(c) reserva de valores.

Sendo a moeda contrapartida da aquisição de um bem ou de um serviço
permite realizar uma troca indirecta, com a vantagem da clareza e da facilidade
na transacção.

A moeda é, pois, um instrumento geral de trocas. Mas as
unidades monetárias são usadas para avaliação do valor dos bens, em termos
absolutos e relativos e constituem um instrumento de medida de assinalável
fiabilidade. Os banqueiros da Antiguidade e da Idade Média tinham como
função primordial garantirem a fiabilidade do peso e do valor das moedas em
circulação. E nesse caso estamos perante um padrão ou medida comum de
valores.

Da função de instrumento geral de trocas resulta ainda para a moeda a
finalidade de reserva de valores.

A moeda é um traço de união entre o presente e o futuro, segundo a referida
simbologia representada pela deusa Juno. Impondo-se aos sujeitos
económicos prevenir o futuro, fácil é de compreender que as poupanças
constituem uma peça fundamental na estabilização económica de uma
comunidade. Ganhando crescente importância como reserva de valor, a moeda
conheceu no século XX novos progressos que conduziram à necessidade de
formulação de um conceito como o de preferência pela liquidez, com origem
na escola de Cambridge.

A preferência pela liquidez é uma tendência verificável na economia
contemporânea no sentido de manter moeda imediatamente disponível para a
satisfação das necessidades humanas. Deriva de três motivos fundamentais:

(a) o motivo transacção, segundo o qual os sujeitos económicos podem
adquirir com moeda disponível os bens e os serviços que satisfaçam as suas
necessidades;

(b) o motivo precaução, uma vez que a moeda é guardada para situações
futuras imprevistas; e

(c) o motivo especulação, uma vez que a moeda pode ser usada para ganhos
fáceis e imediatos geradores de excedentes potenciais, verificando-se que o
entesouramento especulativo aumenta quando a remuneração do capital
diminui, ou seja, quando a taxa de juro baixa.
Considera-se como massa monetária ou "stock monetário" o conjunto que
compreende todas as unidades monetárias de uma economia repartidas entre
os diferentes sujeitos económicos, que asseguram o financiamento das
respectivas actividades.

A noção de circulação monetária corresponde à massa monetária em
movimento, o que nos conduz ao entendimento da velocidade de circulação,
ou seja, o número de vezes que uma moeda é dada em pagamento.
Há diversos tipos de moeda. Antes de mais, a moeda que constitui um meio
imediato de pagamento nas transacções designa-se como M1, e é constituída
pela moeda metálica, pelo papel moeda e pelos saldos dos depósitos à ordem -
a moeda escritural ou bancária. Temos ainda outro tipo de moeda onde se
reflecte a função de reserva de valor, que se designa como M2, e é constituída
pelos depósitos a prazo (a curto prazo superior a 180 dias ou a médio e longo
prazos) no sistema bancário. Por fim temos a quase moeda, composta por M2
e ainda pelos títulos mobilizadores de poupança, como obrigações, bilhetes e
obrigações do tesouro - trata-se do M3…

11.2. Moeda metálica, moeda representativa, moeda fiduciária.
A divisão do trabalho e as dificuldades na troca directa conduziram à adopção
da moeda como instrumento de trocas e padrão de valor. Como dissemos, os
metais preciosos (o ouro e a prata) cedo se revelaram como amoedáveis pela
sua resistência, inalterabilidade, maior facilidade de transporte e difícil
falsificação. A moeda metálica surgiu e assim se afirmou. Houve, porém, que
apor aos fragmentos de metais preciosos que funcionavam como moeda a
indicação do valor e do respectivo peso. Essa marca caracterizou a primeira
fase da amoedação, ainda na Antiguidade. A cunhagem começou por ser
privada, mas o risco de abusos e o surgimento dos Erários Públicos levou a
atribuir ao poder político essa tarefa. Também os príncipes vieram a abusar
desse privilégio com constantes quebras de moeda - o que levou as Cortes e
os Parlamentos a redobrar a sua actividade permanente de controlo e de
autorização, segundo o princípio do consentimento.
Cunhar moeda era direito dos soberanos. Na segunda metade do século XVII,
em Inglaterra estabeleceu-se a liberdade de cunhagem, podendo qualquer
particular detentor de uma barra de ouro ou de prata transformá-la em moeda,
cabendo, porém ao Estado proceder, através da Casa da Moeda, a essa
transformação.

Havia obrigatoriedade de aceitação pelos particulares de moeda cunhada com
o valor estabelecido pelo Príncipe. Estamos perante o conceito de curso legal,
que é complementar do direito de cunhar moeda. Trata-se de uma
obrigatoriedade imposta aos particulares, já que ninguém poderia recusar-se a
aceitar em pagamento as espécies monetárias que tinham curso declarado.
Curso legal não significa, porém, poder liberatório pleno. Há moedas com curso
legal que só são aceites em pagamentos pouco significativos. Estamos a falar
das moedas divisionárias (1 ou 5 cêntimos, p. ex.) que servem para trocos,
mas não para fazer grandes pagamentos. Por exemplo, nos sistemas
monometalistas do ouro só as moedas cunhadas nesse metal poderiam gozar
de poder liberatório pleno (isto é, poderiam ser aceites em qualquer
pagamento).

O metal em que se baseia um sistema metalista designa-se como estalão
monetário. No tocante ao estalão temos três sistemas possíveis - o

monometalismo-ouro ou sistema de estalão ouro,

o monometalismo-prata ou sistema de estalão prata.

e o bimetalismo ou duplo estalão. O

monometalismo implica liberdade de cunhagem apenas para as moedas do
estalão. Por outro lado, o poder liberatório pleno só ocorre nas moedas do
estalão. Uma das razões que levou os economistas a preferirem o
monometalismo foi a muito conhecida lei de Gresham, segundo a qual a má
moeda expulsa a boa moeda… A boa moeda tende a desaparecer por
possuir outras aplicações mais vantajosas e rentáveis – daí a
indispensabilidade de preservar os melhores meios de pagamento.

Para chegarmos às origens do papel-moeda, temos de recuar no tempo e de
distinguir o seguinte:

(a) a moeda-papel surge com carácter excepcional, no início do século XVIII,
em resultado dos depósitos feitos pelos detentores de metais preciosos no
sistema bancário;

(b) a moeda-papel representativa circula porque está suportada por uma
cobertura de moeda metálica equivalente à circulação;

(c) a moeda fiduciária circula apenas suportada por uma parte da moeda
metálica depositada - com base na confiança (fidutia) e na capacidade que o
sistema bancário tem de criar nova moeda;

(d) o papel-moeda, com inconvertibilidade e curso forçado. - ao contrário da
moeda fiduciária, neste caso já não há ligação à moeda metálica ou aos metais
preciosos em reserva, havendo, no entanto, regras prudenciais e de confiança
a cumprir.

No caso da moeda representativa, o banqueiro inglês John Law utilizou parte
das reservas para investir no seu negócio. Descobriu um novo tipo de moeda,
mas abriu falência, porque os seus clientes, quando souberam do facto de o
banqueiro ter disposto de parte do seu dinheiro, correram ao banco para
levantarem os seus depósitos. Law não tinha dinheiro suficiente para lhes
pagar e abriu falência sofrendo, assim, humilhação pública.
A moeda fiduciária consolidou-se a partir desse antecedente, no entanto houve
abusos. Esqueceu-se, por exemplo, a velha regra de prudência ou do terço,
que obrigava o banco a manter um terço dos depósitos em reserva. O tempo
veio, porém, a consagrar regras e um sistema de supervisão e
acompanhamento, para garantir a confiança dos sujeitos económicos.

O papel-moeda é inconvertível e tem curso forçado. O curso forçado
determina que a moeda circule e deva ser aceite por todos. A
inconvertibilidade do papel-moeda resulta quer da tendência para a
desmaterialização quer do facto de os títulos de crédito público emitidos pelo
Estado terem também deixado de ser convertíveis.

Como veremos, hoje as moedas metálicas correspondem a uma pequena parte
da circulação monetária, a maior parte da moeda disponível corresponde a
moeda escritural ou bancária, isto é, aos os saldos dos depósitos à ordem. A
moeda escritural resulta da criação monetária pelo sistema bancário,
correspondendo a operações de escrita, que são lançadas em conta corrente,
apenas existindo movimentos monetários em relação aos saldos, a crédito ou a
débito. Além dos depósitos à ordem temos os depósitos a prazo e com préaviso.

Estes não constituem moeda como vimos, ainda que os sujeitos
económicos contém com eles para os seus cálculos económicos.
Os cheques permitem a movimentação dos saldos dos depósitos à ordem. No
entanto, não constituem moeda, nem têm poder liberatório. O cheque é uma
ordem de pagamento, que constitui um título executivo, não sendo, por isso,
confundível com a moeda representativa.

Os depósitos bancários a prazo e com pré-aviso, os bilhetes do Tesouro e
outros títulos equiparáveis não constituem uma reserva líquida. Estamos
perante casos de quase-disponibilidade e de quase liquidez. O depositante ou
o subscritor dispõe nesses casos de uma reserva quase-líquida, constituída por
quase-moeda - que vai influir indirectamente na atitude do agente económico,
que conta com essa disponibilidade e por isso mesmo actua tendo em vista a
sua liquidez ciente, porém, de que ainda dispõe de outra poupança não liquida.

11.3. Teorias sobre o valor da moeda.

O conceito de valor da moeda apresenta naturais
dificuldades. Há uma primeira explicação muito simplista, quase intuitiva, que
liga o valor da moeda ao custo de produção do objecto que a representa - a
peça metálica de ouro ou prata -, a este critério chama-se metalista.

Esta explicação não pode satisfazer-nos. Lembremo-nos da distinção entre valor de uso e valor de troca. A moeda é usada para adquirir outros bens e o seu valor de uso acaba por se confundir com o valor de troca. Ora o valor dos bens tem uma expressão monetária. É o preço. O valor da moeda vai, por isso, ser
influenciado pelo respectivo poder de compra e pelo nível geral de preços. O
valor da moeda variará na razão inversa do nível geral de preços. Quanto mais
elevado for o nível de preços mais baixo será o valor da moeda.

Há uma outra explicação - a nominalista - segundo a qual o valor da moeda
será aquele que lhe foi aposto. Sendo certo que, com a desmaterialização da
moeda, a tendência nominalista pôde reforçar-se, a verdade é que estamos
perante um critério incapaz de explicar o fenómeno contemporâneo da moeda.

Se na Antiguidade Aristóteles definiu o valor da moeda por referência à lei,
segundo a lógica nominalista, não podemos esquecer que o primado das
moedas metálicas na Idade Média e depois o surgimento da moeda fiduciária
contrariaram esse entendimento. Aliás, e com razão demonstrada pelo tempo,
os legistas Acúrsio e Bártolo defenderam que o valor real da moeda
predominava sobre o respectivo valor legal.

Desde muito cedo surgiu uma outra explicação, de índole quantitivista.
Xenofonte (séc. V e IV a.C.) foi um dos primeiros autores a defendê-la. O valor
da moeda dependeria da quantidade em circulação. Jean Bodin (1530-1596)
explicou a alta de preços verificada na Europa no século XVI através do afluxo
de ouro da América. No Tratado sobre a Moeda de Bernard Davanzati, de
1588, o autor estabeleceu uma relação matemática ente a quantidade de ouro
e o nível geral de preços existente. Na senda de John Locke (1632-1704) ou de
David Hume (1711-1776), os economistas clássicos ingleses, à frente dos
quais David Ricardo (1772-1823), também defenderam a teoria quantitativa da
moeda, a partir de uma relação directa e automática entre a circulação
monetária e o nível de preços. Ricardo introduziu, aliás, na sua análise o
fenómeno da criação de moeda-papel e o seu efeito quantitativo.

Na esteira de Ricardo, John Stuart Mill (1806-1873) veio a aperfeiçoar o
raciocínio, dizendo que não bastava ter em conta a moeda em circulação, uma
vez que era indispensável saber o número de vezes que a moeda era dada em
pagamento. Pegando nesta ideia, Irving Fisher (1867-1947), um dos maiores
economistas matemáticos dos EUA, formulou a equação geral de trocas -
acrescentando à circulação monetária do papel-moeda e da moeda metálica a
da moeda bancária ou escritural.

Para Fisher haveria que estabelecer uma
relação entre o "stock" monetário em circulação e o volume de transacções
realizadas:

MV=PQ.
M é a massa monetária imediatamente disponível, moeda metálica, papelmoeda
e moeda escritural e V a velocidade de circulação monetária. P é o nível
geral de preços e Q o volume de transacções realizadas.

Em suma, as variações na quantidade de moeda determinam alterações
proporcionais no nível geral de preços, o que significa uma interpretação
rigorosa do fenómeno monetário em termos matemáticos. I. Fisher teve, no
entanto, o cuidado de dizer que a sua equação apenas se aplicaria em
períodos normais e não em períodos de crise ou de transição.

Os críticos de Fisher vieram, porém, dizer que a interpretação era incompleta,
uma vez que não se levaria em consideração a moeda entesourada,
imobilizada ou inactiva. Haveria, assim, demasiada rigidez na sua
interpretação, por não considerar a relação dinâmica entre o consumo e a
poupança.

Por outro lado, Albert Aftalion (1874-1956) veio afirmar que as variações de
preços registavam uma muito maior sensibilidade do que a evolução dos meios
de pagamento, distinguindo comportamentos diferentes na moeda fiduciária e
na moeda escritural. Enquanto o saldo médio dos depósitos se mantém
constante o total de pagamentos realizados por movimentação das respectivas
contas pode aumentar. Como veremos adiante, para Aftalion nem só M e V
podem influenciar o nível geral de preços. Tem de se considerar outros
factores que não estão na equação geral de trocas.

Com o tempo, e perante os factos económicos, foi-se chegando à conclusão de
que o princípio quantitativo, apesar de poder ter pertinência nas análises de
períodos longos, não permite encontrar uma explicação satisfatória
relativamente ao valor da moeda. Aliás, a partir da I Grande Guerra Mundial,
encontram-se claros desmentidos da teoria quantitativa. Na Alemanha,
aquando a hiperinflação de 1923, a um acréscimo de massa monetária de 40
correspondeu uma subida do nível de preços de 400, segundo a análise de
Aftalion. Recorde-se que este processo vertiginoso de depreciação do valor da
moeda conduziu a que um bilhete de eléctrico em Berlim no ano de 1923
tivesse o mesmo preço de uma vivenda na mesma cidade três anos antes! Ora
esta disparidade não teve como contrapartida um proporcional aumento de
circulação monetária.

Tendencialmente, a teoria quantitativa não pode deixar de ser considerada.
Segundo Maurice Allais (1911), Prémio Nobel da Economia de 1988, insistiu
numa proporcionalidade entre circulação monetária e o volume de
transacções, desde que se introduzisse o elemento tempo na análise e se
considerasse a velocidade de circulação da moeda como função da
conjuntura económica. O coeficiente de proporcionalidade não seria., assim,
constante e a lógica quantitativa não seria automática.

A escola de Cambridge introduziu novas interpretações sobre o valor da
moeda, partindo da investigação quantitativa, mas superando-a. Marshall,
Robertson e Keynes recusaram sempre qualquer automatismo à equação geral
de trocas, procurando introduzir-lhe factores explicativos ligados aos
comportamentos e expectativas dos sujeitos económicos. Alfred Marshall
formulou, aliás, uma equação comparável à de Irving Fisher:

M=KPQ.
A única diferença estaria na inclusão do conceito K, algo indefinido (que seria
matematicamente o inverso da velocidade de circulação da moeda) - M:K=PQ -
e que corresponderia à preferência pela liquidez, ou seja, à percentagem de
rendimento que os sujeitos económicos desejam possuir em moeda.
Dennis Robertson partiu da fórmula de Alfred Marshall, precisando melhor o
conceito K. Segundo esta equação, o nível geral de preços dependeria da
quantidade de moeda e do montante do rendimento que os sujeitos
económicos mantêm líquido, e utilizável imediatamente em moeda. Assim,
P=M: (KR). O nível geral de preços P varia na razão directa da massa
monetária M e na razão inversa da reserva líquida KR, sendo K a preferência
pela liquidez e R o rendimento nacional. O nível de preços não depende
apenas da quantidade de moeda, mas também do comportamento psicológico
dos sujeitos económicos.
Os críticos de Robertson vieram, no entanto, dizer que ele apenas tinha em
consideração o rendimento e não as transacções, o que não permitia aferir o
real valor da moeda. Perante a crítica, D. Robertson reformulou a sua equação
para P'=M: (K'T). P é o nível geral de preços das transacções, T o volume das
transacções e K' a percentagem sobre o volume de transacções que os
sujeitos económicos desejam manter em espécies monetárias líquidas.

John Maynard Keynes foi quem melhor desenvolveu o conceito de reserva
líquida. Introduziu o conceito de unidade complexa de consumo, que
corresponde ao conjunto de artigos normalmente objecto de aquisição e
consumo numa comunidade. Tendo por centro aquele conceito, Keynes
apresentou a seguinte equação:

N= P (K+RK')

N representa a moeda em circulação acrescida das reservas bancárias; P é o
preço global da unidade complexa de consumo, K é a quantidade de unidades
complexas de consumo para cuja aquisição se conserva moeda metálica ou
papel moeda, K' é a quantidade de da unidades complexas para cuja aquisição
se conserva moeda escritural, R é a relação mantida entre as reservas
bancárias e os depósitos. Pressupõe-se, assim, um volume de transacções
constante. O nível geral de preço varia quando a massa monetária se altera.
No entanto, ainda poderia variar, mas na razão inversa, quando K, K' ou R
sofressem modificação. Enquanto K e K’ dependeriam dos hábitos da
comunidade R variaria de acordo com a política bancária.

Se é verdade que o próprio J.M. Keynes reconheceu que a sua equação se
limitava aos preços de consumo, o certo é que ela nos permite compreender a
interacção entre os comportamentos psicológicos dos sujeitos económicos e a
política monetária. Note-se que na sua célebre Teoria Geral do Emprego, Juro
e Moeda (1936), o autor apresentou uma fórmula muito simplificada para
explicar o valor da moeda. J.M. Keynes entendia que só depois de se alcançar
uma situação de pleno emprego o aumento de moeda produziria aumento do
nível geral de preços. P= Y: O, sendo Y as despesas em moeda e O o volume
de bens e serviços produzidos. Assim, os movimentos de moeda apenas se
repercutiriam nos preços em conjunturas de pleno emprego dos recursos
produtivos. Como é evidente a primeira equação de Keynes apenas se
aplicaria em situação de pleno emprego.

Knut Wicksell (1851-1926), fundador da escola sueca da economia, deu um
contributo decisivo para o apuramento do valor da moeda. No seu estudo de
1898 sobre o juro e os preços (Geldzins und Güterpreise) demonstrou que os
preços variam segundo as alterações nos investimentos e que o nível destes
depende da taxa de juro nas aplicações de capitais. Em cada momento haveria
uma taxa de juro natural, adequada ao equilíbrio entre a poupança e o
investimento. Se os bancos estipulassem um juro correspondente à taxa
natural a produção desenvolver-se-ia regularmente. Se o juro bancário fosse
inferior ao juro natural, os investimentos cresceriam, o emprego aumentaria,
aproximar-nos-íamos do pleno emprego e o nível geral de preços aumentaria.
Quando o juro bancário fosse superior ao juro natural haveria baixa de
produção e desemprego. Assim, para Wicksell o valor da moeda dependeria da
variação dos investimentos. Tal como em Keynes, também aqui só há aumento
do nível geral de preços se houver equilíbrio e pleno emprego. Pela primeira
vez, encontramos a moeda inserida numa teoria geral de desenvolvimento
económico.

F. von Wieser (1851-1926), da escola austríaca, estuda o valor da moeda em
função da teoria do valor dos bens em geral. Como marginalista entende que o
valor da moeda também depende da importância atribuída à última unidade
monetária disponível. No entanto, esta última utilidade é indirecta - tem a ver
com o poder de compra dessa unidade monetária. Eis porque o rendimento
assume aqui uma importância fundamental. Quando o rendimento aumenta, os
sujeitos económicos dispõem-se a dar maior número de unidades monetárias
para satisfação das suas necessidades. Logo, os preços tendem a subir e o
valor da moeda a reduzir-se. A equação de von Wieser é, pois, P = R: Q. P é o
nível geral de preços, R o rendimento nominal monetário, Q o volume de
transacções ou rendimento real. Assim, as variações de preços não são
determinadas automaticamente pelas alterações da massa monetária,
dependendo de apreciações subjectivas. Temos, assim, que é determinante
conhecermos qual a propensão marginal para o consumo e a propensão
marginal para a poupança por parte dos diversos agentes económicos - pode
assim haver acréscimos na massa monetária sem influência no rendimento, e
variações no valor da moeda não originados pelo crescimento da massa
monetária.
Em princípio segundo a teoria do rendimento, um aumento de
rendimentos traduz-se em acréscimo no volume de transacções ou na
velocidade de circulação da moeda.

Albert Aftalion aperfeiçoou as conclusões a que chegou a escola marginalista..
Se foi importante o facto de von Wieser ter posto a ênfase no rendimento e na
raridade, a verdade é que a utilidade da moeda apresenta especificidades que
devem ser expressamente consideradas. Assim, para Aftalion não basta
considerar a satisfação de necessidades pela última unidade monetária, é
indispensável ter em consideração a satisfação esperada pela utilização
dessa última unidade monetária. Há, pois, múltiplos factores a influenciar o
valor da moeda, a partir dos conceitos de raridade e de utilidade - desde as
emissões monetárias, o montante de moeda escritural em curso, os câmbios,
às relações com o estrangeiro, a que acrescem desde as quantidades de bens
produzidas e transaccionadas ou os respectivos custos ao clima dos negócios.
O valor da moeda dependerá, no pressuposto, de haver um volume de
transacções constante, não só do rendimento mas também da previsão das
variações futuras do poder de compra da moeda.

As expectativas
psicológicas têm um papel fundamental - a falta de confiança, o pessimismo,
as ondas de pânico podem induzir quebras acentuadas no valor da moeda…
Afinal, o valor da moeda depende de um conjunto complexo de factores
económicos, sociais e psicológicos.

11.4. Procura e oferta de moeda. A criação monetária. Moeda escritural e
multiplicador de crédito.

A procura de moeda no decurso de um determinado período corresponde às
somas adquiridas nesse mesmo período que o agente económico escolhe
conservar sob a forma líquida. Devemos recordar o circuito económico, no qual
as famílias, as empresas e o Estado se relacionam entre si… A procura de
moeda está, deste modo, inserida na escolha do consumidor, no seio das
famílias, e na escolha do produtor, no que respeita à empresas. Já vimos quais
os motivos da preferência pela liquidez (transacção, precaução e especulação).
Os agentes económicos definem pelos seus comportamentos a procura de
moeda e indicam os factores económicos que fazem variar essa procura, bem
como o sentido em que actuam.

A preferência pela liquidez é influenciada por
dois factores - de um lado, a taxa de juro; de outro, o rendimento.

O nível da taxa de juro influencia negativamente a preferência pela liquidez,
uma vez que quanto mais alto ele for menor será a tendência para manter a
liquidez dos meios monetários. A taxa de juro é o custo de oportunidade
referente à detenção da moeda. A procura de moeda aparece, assim, como
uma função decrescente da taxa de juro.

O nível do rendimento influencia, pelo contrário, positivamente a procura de
moeda. Quanto mais elevado for o rendimento maior será a tendência para
deter moeda líquida apta para a compra de bens e serviços. A procura de
moeda surge, assim, como função do rendimento.
Já analisámos as diferentes formas de moeda - metálica, papel moeda,
escritural - bem como a quase moeda. Importa agora referir a criação
monetária pelos bancos comerciais e pelos bancos centrais.~

Como já vimos, a
moeda escritural resulta da criação monetária pelo sistema bancário,
correspondendo a operações de escrita, que são lançadas em conta corrente,
apenas existindo movimentos monetários em relação aos saldos, a crédito ou a
débito. A moeda escritural reporta-se ao conjunto dos “saldos dos depósitos à
ordem”.

Começando pela banca comercial, verificamos que o crédito bancário dá lugar
a criação monetária. Como é que tal fenómeno decorre? Estamos perante a
criação de moeda escritural. Suponhamos que o Banco A concede um crédito
de 1000 Euros à empresa B. A empresa B vê creditada na sua conta a referida
quantia. E com ela procede a pagamentos, através de depósitos bancários. Os
bancos beneficiários desses depósitos vão dispor desses montantes para
realizarem novos empréstimos e esses empréstimos vão gerar novas
despesas, novos depósitos e novos empréstimos.
Tudo se passa de modo semelhante ao que ocorre com o multiplicador de
investimentos já estudado. No entanto, aqui em lugar de nos referirmos à
propensão marginal para a poupança, referimo-nos ao coeficiente de reserva
dum banco comercial - que é a percentagem do montante dos depósitos que
deverá ficar sob a forma líquida e que não poderá ser objecto de empréstimo.
Neste caso, partamos do princípio de que o coeficiente de reserva é de 20%.
Ora, sabendo nós que o multiplicador K é igual ao acréscimo de moeda
escritural ΔM a dividir pelo acréscimo de crédito ΔC, e também que K é o
inverso do coeficiente de reserva, então o multiplicador será de 5. K(5)= ΔM
(5000) : ΔC (1000) ou K(5)= 1: 20%.
O crédito concedido pelo banco A de 1000 Euros vai gerar pelo depósito da
empresa B no Banco C a concessão, por parte deste, de créditos no valor de
800 Euros e à manutenção de uma reserva líquida de 200 Euros… O
fenómeno de criação de moeda escritural pelo sistema bancário vai ocorrer
deste modo e de forma sucessiva. A quantidade de moeda bancária nova (ΔM)
criada pelo multiplicador de crédito é obtida multiplicando o montante do crédito
inicial (ΔC) pelo inverso do coeficiente de reserva (5).
A criação de moeda bancária é tanto mais forte quanto o coeficiente de reserva
dos bancos comerciais for mais fraco. Se o coeficiente for apenas de 10% o
multiplicador será de 10. À semelhança do que ocorre no multiplicador de
investimento também aqui o efeito só tem consequências reais se estivermos
em situação na qual não há pleno emprego de todos os factores de produção.
A moeda criada pelos bancos centrais reveste-se de duas formas - ou a
emissão de notas (papel-moeda) ou a inscrição de uma soma na conta
corrente aberta pelo banco central em nome da instituição de crédito comercial
considerada. Assim, a moeda do banco central é criada quer por ocasião das
operações de crédito outorgadas por ele aos bancos comerciais, quer por
ocasião das operações de compra de moeda estrangeira no mercado cambial
(divisas). Assim se estabelece uma relação estreita entre a actividade do
banco central e a economia. À medida que a economia cresce e que o
multiplicador de investimento gera acréscimo de rendimento vai havendo
condições para a criação monetária sem que ela dê origem a inflação.
Os Bancos Centrais têm outras funções além da emissão monetária - a saber,
a supervisão prudencial do sistema financeiro, de modo a garantir a solidez e
a confiança nos intermediários financeiros. Garante-se, assim, por exemplo à
banca comercial a realização das provisões ou reservas indispensáveis à boa
saúde financeira do sector. Os Bancos Centrais poderão ainda ser Caixas
centrais do Tesouro, terem a seu cargo a gestão das reservas cambiais ou
serem as Câmaras de Compensação que permitam aos intermediários
financeiros realizarem entre si as operações bancárias de natureza escritural.
Hoje os Bancos Centrais da União Económica e Monetária (UEM) participam
no Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC), como veremos a seguir.

Para uma boa compreensão do funcionamento da moeda, importa ainda
alinhavar algumas notas sobre a evolução dos sistemas monetários.

I.

O sistema tradicional do padrão ouro colapsou na 1ª Grande Guerra. Entre
1925 e 1931 ainda foi fugazmente restabelecido numa modalidade mitigada
(ouro-divisas). Em 1933, porém, o Presidente F. D. Roosevelt nacionalizou o
ouro na posse dos cidadãos e revogou os contratos nos quais os pagamentos
fossem especificados em ouro. Em Julho de 1944 reuniu-se em Bretton
Woods (New Hampshire) a Conferência que lançaria o novo Sistema
Monetário Internacional (SMI) no pós-Guerra.
Apesar do Reino Unido ter sido representado por J. M. Keynes, a conferência
foi marcada por Harry D. White, Sub-Secretário de Estado do Tesouro dos
EUA. O plano de White viria a ser aprovado. Nele o valor das moedas seria
definido por um sistema de paridades fixas relativamente ao Dólar dos EUA. E
não já em relação ao ouro. Indirectamente havia, porém, uma referência ao
ouro, uma vez que o Dólar era convertível em ouro para cidadãos estrangeiros.
Uma Onça de ouro fino valia, então, 35 dólares. Assim, as reservas dos bancos
centrais passaram a poder ser constituídas por ouro ou por Dólares dos EUA.

Para gerir este sistema foram criados o Fundo Monetário Internacional (FMI)
e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Banco
Mundial). O FMI teria a seu cargo a correcção dos desequilíbrios externos
originados no curto prazo e o BIRD teria a tarefa de apoiar as acções ligadas
ao desenvolvimento e ao médio e longo prazos. O plano de Keynes não foi
aceite. Previa a criação de uma moeda internacional, o Bancor, convertível nas
diferentes moedas nacionais e nele se propunham medidas de
acompanhamento e estabilização quer para os países em situação
excedentária quer para os países em situação negativa no tocante aos
pagamentos externos.
A evolução da economia mundial conduziu, no entanto, a que a criação
monetária em Dólares tenha ultrapassado largamente as reservas em ouro
norte-americanas de Fort Knox. Em 15 de Agosto de 1971 o Presidente Nixon
decidiu, perante a crise do sistema, unilateralmente pôr fim à convertibilidade
internacional do Dólar em ouro - dando um golpe fatal no sistema monetário.

Chegava a desmonetarização do ouro e a instauração dos câmbios flutuantes.
O sistema monetário internacional de Bretton Woods deu lugar a una lógica
regional, deixando de se basear no Dólar no ouro e passando a referir-se aos
Direitos de Saque Especiais (DSE) criados em 1969 como moeda de
regularização entre autoridades monetárias.

II.

A história da moeda única europeia remonta à Cimeira de Haia (Dezembro
de 1969). Na sequência do plano Barre sobre cooperação monetária (1968), o
Primeiro Ministro do Luxemburgo Pierre Werner (1913-2002) foi encarregado,
em Março de 1970 da presidência do grupo especial de estudos para o
estabelecimento de um plano por etapas relativo à União Económica e
Monetária - trabalho que culminará no relatório, apresentado em 8 de Outubro
de 1970 à Comissão Europeia e aos governos dos Estados membros. Estavam
lançadas as bases da união monetária, prevendo-se um sistema comunitário
de bancos centrais, a liberalização dos movimentos de capitais e a fixação
irrevogável da paridade entre as moedas europeias, com a transferência de
importantes competências para a Comunidade.
A realização desta união deveria ocorrer, segundo Pierre Werner, em duas
etapas. Na primeira, a começar em 1 de Junho de 1971, definir-se-iam, com
reforço da cooperação entre os bancos centrais, as orientações fundamentais
de política económica e monetária. As margens de flutuação das diferentes
moedas da Comunidade seriam contidas em limites estáveis. A segunda, após
um rigoroso balanço feito até ao 31 de Dezembro de 1973, previa que as
acções prosseguidas passassem a uma disciplina mais rigorosa, criando-se um
Fundo Europeu de Cooperação Monetária (FECOM), que praticaria as
intervenções necessárias no mercado de câmbios para manter a coesão
monetária dos países membros. Para Werner seria indispensável, porém,
haver um "centro de decisão", um conselho encarregado de definir a política
macro-económica dos seis, responsável perante o Parlamento europeu, com
poderes acrescidos e eleito directamente por sufrágio universal.
A Comissão europeia aprovou em 22 de Março de 1971 um Plano, com base
no documento. Aí se previam três etapas, que deveriam culminar na união
económica e monetária, antes do final da década - tendo a França recusado a
"ideia" de um centro de decisão. No ano seguinte (7.3.72) viria a ser criada a
Serpente Monetária Europeia, preparatória do Sistema Monetário Europeu,
limitando a 2,25%, para mais e para menos, a margem máxima de flutuação
entre o valor da moeda mais valorizada e da moeda menos valorizada do
sistema.
A crise do Dólar da Primavera de 1971, o Smithtsonian Agreement de
Dezembro de 1971 e o choque petrolífero de 1973 comprometeriam o
cumprimento dos calendários e a concretização do plano. O sistema da
serpente não teve resultados satisfatórios. Em 1979 foi inaugurado o Sistema
Monetário Europeu (SME). Então foi criada a unidade de conta europeia - o
Ecu, European Currency Unit - usando-se o critério da unidade de conta cabaz,
cujo valor era definido com base no peso relativo de cada uma das moedas dos
Estados participantes no SME.
Dez anos depois, o Plano Delors (Abril de 1989) lançou o processo que
culminaria no Tratado de Maastricht (adoptado em Dezembro de 1991 e
entrado em vigor em 1 de Novembro de 1993) e na criação da UEM e do Euro.

Aí se adoptaram critérios de convergência nominal tendentes à introdução
da moeda única: estabilidade do nível de preços, aproximação das taxas de
juro de longo prazo dos níveis verificados nos países com melhores resultados
em termos de inflação, estabilidade da cotação da moeda e da disciplina das
finanças públicas, avaliada em termos de grandeza do desequilíbrio do
orçamento (défice não superior a 3% do PIB) e da dívida pública (não superior
a 60% do PIB).

Em Maio de 1998 os chefes de Governo da Comunidade confirmaram que a
União Económica e Monetária (UEM) começaria a funcionar a 1 de Janeiro
de 1999, sendo o grupo fundador constituído por 11 países (Alemanha, Áustria,
Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo e
Portugal). O Reino Unido e a Dinamarca fizeram uso da faculdade que o
Tratado lhes atribuía e ficaram de fora. A Grécia e a Suécia não cumpriram os
critérios de convergência – vindo a Grécia a aderir posteriormente (2001). Em 1
de Janeiro de 1999 foram fixadas definitiva e irrevogavelmente as taxas a que
as moedas nacionais foram substituídas pelo Euro. Hoje (2009) fazem parte
deste sistema de “cooperação reforçada” 16 dos 27 Estados-membros (além
dos fundadores: Grécia, Eslovénia, Chipre, Malta e Eslováquia). Se Portugal
cumpriu à partida todos os requisitos de convergência nominal, a verdade é
que quer a Bélgica, quer a Itália, quer a Grécia não cumpriram o limite da
dívida pública de 60% do PIB, já que ultrapassavam os 100%. A posteriori veio
a verificar-se ainda que a Grécia não cumpriu também o critério do défice
orçamental.

No caso português 1 Euro correspondeu a 200,482 escudos. Para servir de
base à União monetária foi criada uma estrutura de base federal constituída
pelo Banco Central Europeu (com sede em Frankfurt) e pelos Bancos
Centrais nacionais dos Estados membros da União - o Sistema Europeu de
Bancos Centrais (SEBC).

As vantagens da moeda única são de dois tipos:

eliminação dos custos de conversão de umas moedas nas outras para realizar
transacções internacionais (câmbios);

a eliminação dos custos de incerteza quanto aos câmbios futuros.

Há também mais transparência e concorrência nos mercados.

A desvantagem da moeda única resulta de os Estados não poderem
manipular os instrumentos monetários - taxas de juro de curto prazo e taxa de
câmbio da moeda, para favorecer a competitividade das exportações. Como
disse Pierre Werner, "o Euro constitui uma grande novidade nos mercados
financeiros internacionais. Tornar-se-á, sem dúvida, uma moeda de reserva,
sem aspirar necessariamente a um monopólio. A moeda única no limiar do
terceiro milénio é um grande resultado do entendimento entre os homens"
(1998).


III.

Em Portugal, de 1977 a 1990, a política monetária obedeceu a uma política
cambial de desvalorização deslizante. A partir de 1986 a taxa de depreciação
foi definida abaixo do diferencial de inflação entre Portugal e os principais
parceiros comerciais, a fim de reduzir esse diferencial. A partir de 1990 e até
Março de 1992 a desvalorização deslizante foi abandonada, vigorando um
índice composto pelas principais moedas europeias. Em Abril de 1992 o
Escudo aderiu ao Mecanismo de Taxas de Câmbio do SME, obedecendo à
banda de flutuação de mais ou menos 6%. Em Novembro de 1992, em virtude
de um ambiente de grande turbulência monetária, que determinou o abandono
do mecanismo pela lira e pela libra, o Escudo desvaloriza 6%. E em Maio de
1993 há um realinhamento adicional de -6,5%, em virtude da situação
internacional dos mercados. Em Agosto de 1993, seria definido no âmbito do
SME um alargamento das bandas de flutuação do Mecanismo de Taxas de
Câmbio para mais ou menos 15%. O Escudo conheceu, porém, uma grande
estabilidade a partir de então, havendo apenas em Março de 1995 um último
ajustamento de 3,5%.

IV.

O impropriamente designado Pacto de Estabilidade e Crescimento foi
adoptado, no âmbito da aplicação do artigo 104º do TUE, para garantir a
credibilidade do Euro e consta de dois Regulamentos do Conselho da União
Europeia relativos ao reforço da supervisão das situações orçamentais e à
clarificação da aplicação do procedimento sobre os défices excessivos, bem
como de uma Resolução do Conselho, adoptada na Conselho Europeu de
Amesterdão de 17 de Junho de 1997. Não se trata de um Pacto
intergovernamental, mas de uma Resolução política e de dois instrumentos
técnicos (Regulamentos CE nºs 1466/97 e 1467/97), que podem ser objecto de
alteração.
Estamos perante meios de salvaguardar a solidez das finanças públicas na
terceira fase da União Económica e Monetária, de forma a reforçar as
condições para a estabilidade de preços e a garantir um crescimento
sustentável conducente à criação de emprego. O objectivo visado de médio
prazo é, assim, o de alcançar posições orçamentais próximas do equilíbrio
(“close to balance”) ou excedentárias, que permitirão aos Estados membros
enfrentar as flutuações cíclicas normais, mantendo o défice público abaixo do
valor de referência de 3% do PIB. No caso de persistência de défice superior a
3% do PIB, não sendo a situação considerada excepcional e temporária, o país
fica sujeito a sanções pecuniárias, que podem assumir a forma de uma multa
de montante até 0,5% do PIB.
De acordo com os regulamentos, os países do Euro apresentarão programas
de estabilidade, enquanto os países não participantes na UEM continuarão a
apresentar programas de convergência. Em 1997 falou-se inicialmente apenas
de um Pacto de Estabilidade, tendo, porém, prevalecido o ponto de vista
segundo o qual o Crescimento económico não poderia ficar arredado ou
esquecido. Nesse sentido, ainda que timidamente, foi incluída a referência ao
crescimento e à criação de emprego.

Em finais de 2002, a Comissão Europeia, perante os sinais de abrandamento
e de recessão económicos veio a considerar a necessidade de os
regulamentos serem interpretados com inteligência e flexibilidade, tendo em
consideração as necessidades de combate à recessão, de investimento e de
criação de emprego, sem prejuízo do prosseguimento de um esforço de médio
prazo para a redução sustentada da despesa corrente. A violação em 2003 do
limite de 3 por cento para o défice orçamental pela França e pela Alemanha
determinou uma proposta da Comissão de aplicação das sanções previstas,
que o Conselho rejeitou. Perante este facto a Comissão suscitou junto do
Tribunal de Justiça a apreciação da conformidade da decisão do Conselho
relativamente aos Tratados da União Europeia. A nova Comissão europeia,
investida no Outono de 2004 apresentou ao Conselho Europeu uma revisão
dos regulamentos de 1997.
Assim, em 23 de Março de 2005 foram alterados os regulamentos de 1997
(através dos Regulamentos CE nºs 1055/2005 e 1056/2005, publicados a 27 de
Junho de 2005), no sentido de um maior realismo e flexibilidade. Nenhum
procedimento será levantado contra um Estado em caso de haver crescimento
negativo ou de se estar num período prolongado de muito fraco crescimento,
enquanto antes se exigia uma quebra de produto de pelo menos 2%. Por outro
lado, um Estado que registe um défice excessivo temporário, próximo do valor
de referência de 3% poderá invocar uma série de “factores pertinentes”, que
evitam o desencadear do procedimento, ligados ao crescimento potencial, ao
ciclo económico, à concretização de reformas económicas (aposentação,
segurança social), às políticas de investigação e desenvolvimento, aos
esforços orçamentais com efeito a médio prazo…
O prazo de correcção deixa de ser de um ano, passa a ser de dois anos, com
possibilidade de prolongamento, em casos devidamente justificados. Por fim,
prevê-se a existência de um mecanismo preventivo que permita
diferenciadamente aos Estados-membros atingirem um equilíbrio ou um
excedente orçamental, num caminho de sustentabilidade a médio prazo das
finanças públicas, bem como a vigilância reforçada para que a dívida se
aproxime do valor de referência de 60%.

 

iec10

CAPÍTULO X - Repartição do rendimento e o mercado de factores

10.1. Factores de produção e a sua remuneração.

Importa agora analisar os mercados dos factores de produção, a saber, os
mercados do trabalho, mercados dos capitais e os dos factores naturais, depois
de termos falado dos mercados de bens e serviços. Em cada um deles pesam
as especificidades inerentes ao objecto das trocas e à natureza da respectiva
remuneração.

Relativamente ao trabalho, consideramos o salário que o
trabalhador aufere e que vai estabelecer-se num mercado com características
especiais.

No caso dos capitais a remuneração faz-se através do juro, que
confere à passagem do tempo uma expressão importante, influenciando de
modo decisivo a configuração e o comportamento desse mercado - de que a
bolsa de títulos é o melhor e o mais ilustrativo dos exemplos.

Nos factores
naturais, a remuneração é feita através da renda, elemento determinante para
a definição e concretização deste mercado.

Para compreendermos o mercado de factores de produção temos de nos
reportar, em primeiro lugar, à organização da produção e do consumo. Os
produtores usam os factores de produção para criar bens e serviços. E essa
criação tem de considerar o modo como se abastecem os mercados. A criação
terá, assim, partir do tipo de bens e de mercados que nos importam. Devemos,
por exemplo, distinguir consoante os produtos permitam ou não a constituição
de stocks. Os produtos que permitem a constituição de stocks, isto é, que
podem ser armazenados, de modo a garantir um escoamento regular, através
da actividade de distribuição - são aqueles para os quais a actividade de
produção e a de consumo podem ser separadas no tempo. Esse
armazenamento pode envolver gastos mais ou menos elevados, que
influenciarão os respectivos preços de mercado - podendo ir desde o
arrendamento de armazéns até à vigilância, à energia gasta, passando pelo
custo da rede de frio, fundamental no caso dos bens alimentares ou de bens
que tenham a ver com a saúde pública. A utilização dos factores de produção
não é feita indiferentemente nas diversas situações possíveis. Os stocks
podem ser constituídos para garantir um abastecimento regular e permanente
do mercado, uma vez que os distribuidores têm dificuldade em saber qual a
procura final - ou para fins especulativos, a fim de aproveitar as variações
sazonais do mercado.

A produção de serviços não permite a constituição de stocks, que têm como
característica o facto de a capacidade de produção dever estar disponível no
mesmo momento em que a procura se manifesta. Por este facto, temos neste
segundo tipo de criação económica a possibilidade de encontrar insuficiente na
capacidade de resposta. No guichet de um banco a aproximação do fim do mês
pode levar à formação de filas por haver um excesso na procura do serviço. O
mesmo se diga das repartições de finanças em fim de prazo para pagamento
de impostos ou de um salão de cabeleireiro em dias festivos. Já no caso do
abastecimento da energia eléctrica, havendo períodos de sobrecarga de
consumo, há a tendência para aumentar as tarifas nas horas mais críticas, para
obrigar o consumidor a reduzir a sua actividade nesses momentos.
Os bens podem ainda influenciar o respectivo mercado de factores de
produção consoante sejam duradouros ou não duradouros. No primeiro
caso, o consumo não envolve de imediato o respectivo desaparecimento. Está
no segundo caso o exemplo dos produtos frescos (legumes, frutas, produtos
pecuários), cujo consumo tem de se fazer num prazo determinado, sob pena
de perderem qualidade ou de afectarem a saúde pública.
A antiguidade ou a natureza dos bens é algo de especialmente importante na
organização da produção. Há bens que se valorizam com o tempo e bens que
se desactualizam ou se destroem com o decurso do tempo. Eis porque na
actividade económica a organização da produção tem de considerar essas
diferenças. É indispensável saber que tipos de bens ou de serviços são
fornecidos no mercado. E é preciso saber qual o efeito da deterioração e da
obsolescência como elementos de diferenciação dos produtos. E é fácil de
compreender que a informação sobre as condições de produção e de
manutenção ou de conservação é um elemento essencial para os
consumidores.

10.2. Procura e oferta de factores de produção. Especificidades.

Na óptica do puro dom da natureza, a oferta total relativa a um factor natural
corresponde a um montante fixo e inalterável. As alterações do preço de
equilíbrio ficarão a dever-se a modificações ocorridas no mercado, ora do lado
da procura, ora do lado da oferta. Contudo, a alteração do preço de equilíbrio
dos factores naturais não é devida, em regra, a modificações na oferta, a não
ser que haja mudança das respectivas condições naturais (inundações e
temporais, erupção vulcânica, catástrofe natural). Quanto à procura, o preço do
recurso natural vai variar com o preço do bem que a partir dele vai ser
produzido. Temos, pois, uma procura "derivada". Se o preço da terra para o
cultivo do trigo é elevado, é porque o preço do trigo é elevado - mas não é
verdadeiro dizer-se que o preço do trigo é elevado porque o preço da terra é
elevado. A elevação do preço do factor terra ocorrerá se a oferta do recurso
natural for completamente inelástica e o seu uso exclusivo. O valor dos
produtos produzidos é que determina o nível da renda de um recurso natural.
Os preços não reflectem, assim, em regra, os custos inerentes aos factores
naturais de produção.

Relativamente aos factores naturais de produção há ainda a referir a incidência
do conceito de renda económica. Como sabemos, David Ricardo (1772-1823)
partiu da hipótese abstracta de uma época primordial indeterminada em que se
teria realizado a ocupação das terras. Os homens teriam ocupado em primeiro
lugar as mais férteis. O custo da produção nestas terras mais férteis era
idêntico para todos os proprietários. Mas, devido ao aumento da população, os
homens viram-se na necessidade de cultivar novas terras de fertilidade inferior
em relação às primeiras. Nessas terras o custo para produzir o mesmo é mais
elevado. Assim, os proprietários das terras de primeira categoria, vendendo os
seus produtos pelo mesmo preço que os produzidos nas terras de segunda
categoria auferem um ganho suplementar, independente do trabalho e do
capital consagrado à produção. Enquanto um terreno pedregoso do interior tem
uma procura muito reduzida, por não permitir culturas, um terreno fértil do litoral
vai ter uma procura maior. Recordamos o que já dissemos sobre a renda
económica, e encontramos deste modo a justificação do excedente. Enquanto
na terra ou nos factores naturais funciona a aptidão natural para a produção de
bens, no caso de outras actividades é relevante o talento ou o prestígio de
quem presta o serviço. Deste modo, o conceito de renda económica é geral,
aplicando-se a múltiplas situações.

No mercado de capitais há, por um lado, a oferta de poupanças ou de títulos
representativos de participações sociais ou de créditos (obrigações e acções)
e, por outro, a procura de capitais e dos respectivos títulos. Antes do mais,
temos a moeda e relativamente a esta a actividade bancária vai definir, através
dos Bancos Centrais, as taxas de referência em relação às quais a banca
comercial vai definir as taxas de juro (passivas ou activas, respectivamente
para depósitos e para empréstimos). Estamos ainda perante movimentos
financeiros que permitem o encontro da poupança e do investimento. As
acções e as obrigações compram-se e vendem-se na Bolsa de valores, a um
preço fixado por leilão, pelo funcionamento da lei da oferta e da procura.
Estamos, assim, perante um mercado que se aproxima bastante da
concorrência perfeita, sobretudo quando tem dimensão suficiente. As cotações
da Bolsa de cada dia para cada título em circulação reflectem as condições da
oferta e da procura, que se alteram com o tempo.

As transacções sobre títulos são de dois tipos - subscrições, quando os títulos
são emitidos e entram em circulação; e circulação, quando os títulos uma vez
emitidos já podem ser transaccionados. No primeiro caso temos o mercado
primário, no segundo temos o mercado secundário. Só o mercado primário
alimenta as empresas, com capital social nas acções, com créditos nas
obrigações. O curso dos títulos vai ser determinado pelas opiniões que
circulam sobre a capacidade de uma empresa reembolsar o capital emprestado
(no caso das obrigações) ou sobre os dividendos esperados, resultantes dos
lucros obtidos pelas empresas. Há, no entanto, factores aleatórios de natureza
psicológica que funcionam como decisivos para a fixação dos valores de
mercado. Nesse sentido, a existência da Bolsa obriga a que haja uma entidade
reguladora que garanta o cumprimento das regras inerentes à concorrência
constantes do regime jurídico em vigor (entre nós CMVM - Comissão do
Mercado dos Valores Mobiliários). Aliás, a recente crise financeira internacional
revelou a importância fundamental de uma actividade de regulação
independente, sem a qual o interesse geral não é devidamente salvguardada.

Diferentemente dos outros factores, o trabalho é por natureza muito
heterogéneo, pela multiplicidade de actividades que pode envolver. A própria
medida do trabalho realizado varia muito (salário por hora, jornada diária,
vencimento mensal). Também há uma grande diferença de estatutos - desde o
trabalhador independente ao trabalhador por conta de outrem ou assalariado. A
formação dos salários do trabalhador dependente faz-se, em regra, segundo a
lei da oferta e da procura, mas também segundo as negociações colectivas, no
que podemos designar como monopólio bilateral – em que temos
confederações patronais e sindicais a protagonizar a concertação.

Funcionando a lei da oferta e da procura, um excedente de mão-de-obra
procurada faria aumentar o nível do salário, enquanto um excedente de mão de
obra oferecida tende a fazer baixar esse valor de salário de equilíbrio. Estamos
a falar não do mercado do trabalho em geral, mas do mercado de cada
profissão. Nas profissões mais duras, a curva da oferta situa-se mais à
esquerda do que no caso das profissões mais procuradas e agradáveis. Os
mercados influenciam-se entre si, uma vez que os trabalhadores podem
circular procurando diversas ocupações. Isso é particularmente evidente em
situações de desemprego. A mobilidade inter-profissional é importante,
sobretudo quando se nota carência de uma determinada formação
especializada. Se a mobilidade é pequena há rigidez no mercado e as
remunerações aumentam relativamente às formações especializadas mais
raras.

As sociedades desenvolvidas têm movimentos sindicais fortes e os salários
são fixados em condições na prática diferentes das de concorrência perfeita,
uma vez que se pretende garantir a existência das melhores condições de
justiça e equidade. Verificamos, assim, que há uma tendência para a
monopolização da representação da oferta e da procura. De um lado, temos as
confederações patronais e de outro as confederações sindicais. O Estado
funciona como árbitro, havendo para tal efeito instituições de concertação
social (entre nós o Conselho Económico e Social e a sua Comissão
Permanente de Concertação Social).

Como funciona a concertação social? Os sindicatos procuram obter um
salário acima do valor de equilíbrio, com subemprego. Só o conseguirão se o
Estado garantir subsídios de desemprego de valor aceitável para os
trabalhadores que não tiverem emprego em virtude desse aumento de salários.
Se há desemprego, os sindicatos poderão aumentar o salário desde que haja
medidas complementares de redução da oferta de trabalho, por ex. redução
das horas de trabalho, redução da idade de reforma, alargamento da
escolaridade obrigatória, limites à imigração…). Por fim, a acção sindical pode
induzir um aumento da procura de trabalho - facto que poderá ser alcançado
através de um esforço concertado no sentido do aumento da produtividade
(mais produtos criados com as mesmas horas de trabalho) e da melhoria das
qualificações, que levarão as empresas a procurar novos trabalhadores com as
novas características.

Deve ainda acrescentar-se que no mercado do trabalho vai pesar a existência
de um sistema de segurança social, para cobertura dos diversos riscos
sociais (desemprego, saúde, velhice, morte, sobrevivência…). Há, deste modo,
salários indirectos estipulados por lei, uma vez que o jogo da concorrência não
permitiria essa protecção e o Estado assume a protecção fundamental de
todos, retirando essa decisão da vontade dos agentes económicos (estamos
perante a ideia de justiça como equidade de J. Rawls).

O desemprego é o maior risco das economias de mercado. O objectivo de
pleno emprego está, pois, sempre presente no Estado Social contemporâneo.

Pleno emprego é a situação do mercado de trabalho de uma determinada
profissão em que todos os que desejam trabalhar um certo número de horas,
com o salário em vigor, encontram um empregador disponível para lhes dar
essa ocupação.

Assim, se o mercado de trabalho de uma certa profissão está em equilíbrio
clássico, coincidindo o salário em vigor com o cruzamento das curvas da
procura e da oferta, há pleno emprego. Se o salário em vigor está abaixo do
cruzamento das curvas da procura e da oferta, em virtude de quem procura
trabalho não responder plenamente aos recursos disponíveis, ainda há
tecnicamente pleno emprego. Se o salário em vigor está acima do cruzamento
das curvas, em virtude de quem oferece trabalho não utilizar plenamente os
recursos disponíveis então há subemprego nessa profissão, o que envolve a
existência de desemprego.

Já afirmámos anteriormente que o bem-estar de uma comunidade depende,
no conjunto, da satisfação das respectivas necessidades, envolvendo a soma
dos excedentes dos produtores e dos consumidores. Uma vez feita a repartição
dos rendimentos pelos diferentes factores temos de considerar que a melhor da
satisfação das necessidades passa pela maximização do rendimento do
empresário, o que significa a maximização dos lucros correspondentes à
participação no capital.
Recapitulando o que já anteriormente analisámos, importa recordar o que já
estudámos relativamente ao excedente do produtor. Depois de termos visto em
que consiste a renda económica - um excedente devido às qualidades do
factor de produção ou do produtor, que têm a ver com características naturais,
com o seu prestígio, com a sua experiência ou com a excepcional confiança de
que goza - ou em que consiste a quase-renda - que existe quando o produtor
tem entrada reservada no mercado, auferindo um benefício por esse facto -
podemos compreender que o excedente é o resultado de características
próprias de cada produtor e do seu produto.

No caso do factor trabalho, temos a referir ainda o conceito de vencimento de
transferência, que é o valor mínimo da remuneração que o trabalhador está
disposto a aceitar. Acima desse valor haverá um efeito de renda, que terá
maior expressão relativamente a quem tenha maior prestígio e maior
capacidade para seduzir ou para atrair a procura (dois pianistas poderão ter as
mesmas qualidades artísticas, mas um é mais conhecido do que o outro e
beneficia desse facto). O vencimento de transferência no mercado do factor
trabalho tem correspondência com o lucro normal próprio dos produtores no
mercado dos bens e serviços.

O mecanismo da concorrência tem, porém, por efeito reduzir
sistematicamente, no longo prazo, os lucros que as empresas procuram
maximizar. E em situação limite, a concorrência perfeita leva até a que os
lucros tendam para zero (entenda-se o lucro marginal e o lucro médio). Tratase
de um paradoxo inerente à própria concorrência, uma vez que os diferentes
agentes económicos do mercado prosseguem objectivos semelhantes,
procurando atingir a maior satisfação possível de necessidades - praticando o
preço mais competitivo.

O equilíbrio final do ciclo de uma indústria é aquele pelo qual todas as
empresas vêem o seu custo médio e o seu custo marginal igualar o preço
de venda do produto no mercado. A produção atinge, assim, o ponto mínimo
da curva de custo médio. Ora, na medida em que o rendimento marginal se
aproxima do custo marginal o excedente fica reduzido ou é anulado - o que
exige a inovação, como forma de garantir o início de um novo ciclo no
mercado, aumentando o excedente do produtor e o bem estar geral.
Há diversas fontes de lucro - desde os ajustamentos temporários de mercado
(envolvendo o aumento de procura ou a redução de custos, a curto prazo) até à
inovação científica e tecnológica, passando pelo risco e pela incerteza, que
favorecem os factores aleatórios do mercado.

10.3. Informação imperfeita e discriminação na remuneração de factores.

Perante uma informação imperfeita, crescem os factores imprevisíveis e
aleatórios. Esses factores favorecem a discriminação na remuneração dos
factores de produção, o que se torna particularmente evidente em relação ao
trabalho. O exemplo do trabalho das mulheres é especialmente evidente e
ilustrativo. Mas podemos encontrar ainda as situações de trabalhadores
migrantes ou de trabalhadores clandestinos. Na sociedade americana de antes
dos anos sessenta a discriminação racial era uma marca - como o foi até há
pouco tempo na África do Sul. Ao contrário destas situações, a discriminação
pode ser positiva (fala-se então, com mais propriedade, de diferenciação
positiva) se nos ativermos aos trabalhadores mais qualificados ou àqueles que
beneficiam de uma renda económica para além do vencimento de
transferência. A legislação do trabalho, a adopção de programas de
diferenciação positiva (relativamente às mulheres, no sentido da paridade, por
ex.), o funcionamento do mercado afastando práticas de exclusão, a aposta na
formação, na qualificação e na valorização do capital humano são meios de
contrariar os efeitos negativos resultantes de uma informação imperfeita no
mercado.

Mas o mercado resiste à discriminação - nos Estados Unidos as empresas
de transportes recusavam-se a discriminar os negros porque a exigência de
veículos separados reduziria os seus lucros. Além disso, por exemplo, os
negros começaram a boicotar algumas empresas e carreiras, com resultados
negativos para a respectiva exploração.

O conceito de capital humano, formulado por Theodore W. Schultz, em 1961,
e também desenvolvido por Gary S. Becker, constitui um dos elementos
essenciais para diferenciar os rendimentos e para contrariar as discriminações
ilegítimas no mercado. A educação e a formação profissional são os factores
essenciais para a valorização do capital humano. O nível de formação e a
capacidade de aprendizagem diferenciam os sujeitos económicos, aumentando
o rendimento e a integração no mercado. T. Schultz começou por dizer que os
agricultores tradicionais seriam empresários tão capazes e inovadores como os
de qualquer outra actividade - por isso a principal aposta de modernização
deveria ser "investir nas pessoas", até para melhor mobilizar a comunidade, no
sentido da inovação e da criatividade.
Ao falarmos do excedente que fica depois de remunerados todos os factores
referimo-nos ao lucro, que resulta, não de factores momentâneos e aleatórios,
mas de acções deliberadas no sentido da inovação - designadamente quanto à
melhoria de informação sobre os mercados, quanto à expansão do
conhecimento científico e técnico, que aumenta a diferenciação e a
produtividade do trabalho e quanto à discriminação no trabalho. Daí a
importância dos investimentos em formação ou em investigação científica e
tecnológica, no aumento de produtividade, na melhor organização da
actividade produtiva e na análise e prospecção de mercados.

10.4. Desigualdade e pobreza.

O mercado de factores gera desigualdades, sobretudo se nos lembrarmos do
exemplo de David Ricardo. Quando procuramos responder à pergunta "para
quem produzir", estamos perante a necessidade de conceber políticas
públicas que se preocupem com a distribuição dos recursos e com a
administração da equidade e da justiça. O cálculo meramente racional não
funciona em termos absolutos, quando nos reportamos à partilha de recursos,
devendo, por isso, ser corrigido pelos valores sociais. A pobreza e as
desigualdades chocantes têm de preocupar os decisores económicos. Que
critérios deveremos ter em conta? É a distribuição da propriedade que gera
desigualdades? Ou será a repartição de rendimentos, uma vez que é a criação
de riqueza nova que importa?

A repartição de rendimentos é o que importará, e não tanto a distribuição da
propriedade. De facto, a capacidade criadora dos agentes económicos
manifesta-se relativamente aos factores variáveis de produção e aos
rendimentos que estes geram. É a esse propósito que devemos analisar os
temas das falhas de mercado, da desigualdade de oportunidades, do esforço
para criar nova riqueza e também o da regulação económica. Assim, temos de
tomar consciência de que as disparidades, além de serem manifestações de
injustiça, são também expressão de fragmentação social - o que se repercute
negativamente na eficiência e na racionalidade económicas.
Numa sociedade em que, por hipótese, os 20% da população com menos
rendimentos têm apenas 1 ou 2% do total dos rendimentos gerados, enquanto
os 20% da população com maiores rendimentos têm 80% dos rendimentos
totais, temos uma situação fortemente desequilibrada, com uma acentuada
desigualdade e uma intensa pressão social de quem tem rendimentos menores
- com efeitos muito negativos no funcionamento da economia e da sociedade.
Se existe equilíbrio, e os 20% mais pobres têm 15% dos rendimentos enquanto
os 20% mais ricos têm 22% dos rendimentos, há tendência para haver maior
coesão.

Max Lorenz (1880-1962) elaborou um gráfico – a curva de Lorenz – que
representa a distribuição de rendimentos numa sociedade. Se houvesse
perfeita igualdade, haveria uma linha recta (a quaisquer 5% da população
corresponderiam 5% dos rendimentos) A representação gráfica corresponde,
assim, ao conjunto de pontos que têm por coordenadas: X corresponde à
percentagem acumulada de pessoas recebendo um determinado rendimento; e
Y à percentagem acumulada de rendimento. Corrado Gini (1884-1965) partiu
desta representação para formular um Coeficiente o Índice de desigualdade
(designado como Coeficiente de Gini), elaborado a partir da comparação
entre a situação existente de desigualdade e a recta correspondente à situação
de equilíbrio igualitário.
Hoje, um quinto da população mundial vive com um rendimento igual ou inferior
a 1 Euro por dia. Um quarto da população mundial vive com menos de 2 Euros
por dia. Em Portugal, com números de 1995, 2% da população ainda vivia com
o correspondente a 2 Euros por dia, enquanto que em Moçambique 78,4% da
população vivia com esse rendimento.
Apesar dos grandes progressos registados, os últimos anos têm conhecido um
agravamento das desigualdades no mundo. Se considerarmos o rendimento
por cabeça, nos últimos 40 anos, verificou-se um grande agravamento das
desigualdades. O rendimento médio por pessoa dos 20 países mais ricos do
mundo é hoje de cerca de 40 vezes superior ao rendimento médio dos 20
países mais pobres. Há 40 anos essa distância era de menos de 20 vezes.

10.5. O combate à pobreza e à exclusão.

O combate à desigualdade e à pobreza depende dos objectivos políticos e do
contexto social. Assim, equidade e igualdade de oportunidades estão em
confronto com o igualitarismo. O mercado pressupõe a existência de diferenças
e complementaridades. Mas há um limiar de pobreza, abaixo do qual, de
acordo com critérios de justiça e de coesão social é desejável que ninguém se
encontre. A economia precisa de encontrar um equilíbrio entre a preservação
da coesão social e a salvaguarda do dinamismo e do espírito de risco – e que a
igualdade não prejudique a liberdade, de modo que a equidade não prejudique
a eficiência, de modo que a riqueza não se baseie na injustiça. Justiça,
utilidade e liberdade devem estar permanentemente presentes nas decisões
públicas a adoptar relativamente à economia.

O tema da justiça na vida económica pode ser analisado na perspectiva dos
fins ou dos resultados. Ou se adopta uma abordagem utilitarista ou se
assume uma posição centrada na "justiça como equidade", na linha de John
Rawls. No primeiro caso, faz-se uma comparação entre as utilidades marginais
decrescentes. Para realizar uma repartição equitativa deveríamos tirar uma
parte dos bens a quem dispõe de mais doses de bens - o que implica uma
perda das utilidades menos significativas - para os atribuir a quem dispõe de
poucas doses, auferindo, assim, utilidades marginais maiores. Nesta hipótese,
não se tem em consideração o grau de esforço ou o mérito para obter
determinado bem e satisfazer uma necessidade económica. Na segunda
perspectiva concentramo-nos na obtenção de maior coesão possível, através
da diminuição das perdas máximas que advenham do facto de uma pessoa se
encontrar no grupo mais desfavorecido da sociedade. Trata-se, no fundo de
proteger a sociedade contra os resultados mais desfavoráveis que afectam o
grupo dos mais pobres. Adoptam-se medidas cirúrgicas na erradicação das
formas mais extremas de riqueza - sem pôr em causa a liberdade económica.
A situação pode ser mais inigualitária, mas o critério da justiça como equidade
cumpre-se desde que quem está em posição mais desfavorável não sai
prejudicado ou tenha novos benefícios.

Além do critério dos resultados, temos ainda o critério dos meios e do
procedimento - numa lógica eminentemente individualista. A justiça seria
preservada se fosse justo o processo através do qual as pessoas enriquecem.
A ideia de igualdade deixa, nessa perspectiva, de estar nos resultados e passa
para as oportunidades. Nesta perspectiva, bastaria criar condições de
igualdade de oportunidades - como na prova de atletismo em que todos os
atletas partem da mesma linha. No entanto, não poderá esquecer-se ainda a
correcção das desigualdades concretas, para além da mera consideração das
oportunidades.

Como se faz o combate à pobreza?

(a) pela tributação progressiva ou proporcional dos rendimentos,
discriminando assim os que têm maiores e menores rendimentos;

(b) pelo estabelecimento de medidas de combate directo à pobreza –
através da segurança social, dos subsídios de desemprego, e os incentivos
à criação de empregos);

(c) pela prestação de serviços subsidiados pelo Estado a favor dos mais
pobres (por ex. rendimento mínimo de inserção).
Importa, porém, contrariar o que se designa como "armadilha da pobreza",
que leva o pobre a subtrair-se ao mercado de trabalho, preferindo viver na
dependência do subsídio. O modo de contrariar essa tendência está em
substituir os instrumentos visando a equidade, por mecanismos de eficiência,
sendo um desses instrumentos o "imposto negativo". Nesse caso, todos os
indivíduos são formalmente tributados, não havendo isenção de um mínimo de
existência, todavia, a todos é concedido um crédito de imposto que, deduzido
do imposto devido, corresponderia a um apoio aos mais pobres, permitindo
uma transição das situações de benefício para as situações de tributação. O
rendimento mínimo de inserção seria assim conseguido não através de um
subsídio mas de um crédito de imposto. No entanto, no sentido da
diferenciação positiva haveria a necessidade fundamental de adoptar políticas
activas de emprego e de formação, centradas na valorização do "capital
humano" - segundo o velho princípio segundo o qual mais importante do que
dar o peixe é fornecer a cana de pesca.

 

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CAPÍTULO IX - A concorrência imperfeita

9.1. Quadro geral

A regra de vida no funcionamento da economia é, como já dissemos, a de que
não se verificam na prática do dia a dia os requisitos que correspondem à
concorrência perfeita. Suponhamos que a venda do tabaco está condicionada
numa determinada comunidade à existência de um só vendedor. Então
estamos perante um monopólio legal.

Mas pensemos na situação em que, por
virtude da concentração de iniciativas económicas inerentes às falhas de
mercado, uma única empresa se vê sozinha a produzir um determinado tipo de
bens. Também aí há um monopólio, resultante do funcionamento do mercado.
Lembremo-nos, aliás, de que no jogo do "Monopólio", popularizado nos
Estados Unidos, os jogadores têm como objectivo ficar sozinhos, como
vendedores, dominando o mercado. Mas, por outro lado, suponhamos que uma
fábrica é a única compradora no mercado de uma determinada matéria-prima.
Nesse caso, estamos perante um “Monopsónio”.

Sistematizemos. Quais as diversas situações correspondentes à concorrência
imperfeita?

Monopólio - Verifica-se quando do lado da oferta temos um vendedor e do
lado da procura temos, em regra, uma pluralidade de compradores.

Oligopólio - Ocorre quando há um grupo limitado (do grego: prefixo oligo-
:poucos) de vendedores e uma pluralidade de compradores.

Monopsónio - Tem lugar quando do lado da procura temos um só comprador,
para uma pluralidade de vendedores.

Oligopsónio - Corresponde à existência de um grupo limitado de
compradores, para uma pluralidade de vendedores.

No caso de uma monosituação do lado da oferta, temos três situações
possíveis:

monopólio bilateral (correspondente a uma monosituação do lado
da procura),

monopólio contrariado (quando há uma oligosituação do lado da
procura),

monopólio (quando há uma polisituação na procura).

Havendo uma oligosituação relativamente à oferta, temos as seguintes
situações:

monopsónio contrariado (monosituação na procura),

oligopólio contrariado (oligosituação na procura),

oligopólio perfeito (posituação na procura).

Por fim, existindo uma polisituação na oferta, encontramos as seguintes
alternativas:

monopsónio (quando há uma monosituação na procura, como já
vimos),

oligopsónio (oligosituação na procura)

concorrência perfeita (polisituação do lado da procura, desde que haja as restantes características já analisadas da concorrência perfeita).

9.2. Monopólios e concorrência monopolística.

O monopólio permite a obtenção de lucros mediante a elevação dos preços
acima dos níveis que se praticariam se houvesse concorrência perfeita.
O consumidor paga mais e o produtor ganha mais. O inconveniente do monopólio não está, porém, na existência de excedente do produtor, mas no facto de, por essa via, se reduzir o bem-estar económico de uma comunidade.

Quando o
monopolista sobe os preços acima do nível concorrencial, os compradores
compram menos, a produção diminui e a situação do bem-estar da sociedade
piora. Por isso, o monopólio, nessas condições, diminui o rendimento da
sociedade. De nada vale o monopolista ficar mais rico, se a produção da
comunidade sai reduzida.

Porque houve desde finais do século XIX uma industrialização de massa e a
tendência para a concentração monopolítica, surgiu nos Estados Unidos, como
já vimos, legislação contra as concentrações e os monopólios (antitrust), de
que são exemplos marcantes o Sherman Act de 1890 (declarando ilegais os
cartéis - contratos, combinações ou conspirações que restringissem o
comércio - e os monopólios) e o Clayton Act de 1914 (que proíbe a
discriminação de preços, as práticas concertadas e as combinações
vinculativas, o abuso de posição dominante, bem como as fusões).

Se uma sociedade deseja controlar os monopólios tem à sua disposição três
tipos de instrumentos:

(a) a política antimonopólio (do tipo norte-americano);

(b) a regulamentação pública do direito da concorrência (consagrada no
tratados da União Europeia); e

(c) a intervenção do Estado na economia..
Nenhuma das soluções é ideal e todas comportam inconvenientes. Deverá, por
isso, sempre ter-se em consideração o equilíbrio de influências entre os
instrumentos de mercado e os instrumentos de regulação pública.
De facto, a
eficiência nas economias de escala aponta para a tendência de concentração,
mas o peso crescente da consciência dos seus direitos por parte dos
consumidores limita a capacidade de o produtor aumentar os preços - a
regulação pública encontra nessa confluência espaço para agir, até por
pressão da própria opinião pública.

Diferente é a situação designada por concorrência monopolística. Estamos
então perante uma forma de mercado de natureza híbrida, mas próxima da
concorrência perfeita. Foi estudada por E. Nevin Chamberlin (Theory of
Monopolistic Competition, 1933) e por Joan Robinson (The Economics of
Imperfect Competition, 1933).

Antes do mais verifica-se a ausência de fluidez no mercado. Como já vimos,
falta homogeneidade e um mesmo bem tem vários mercados. É o que ocorre
com as marcas – o que tem consequências muito marcantes nos dias de hoje,
em que os mercados estão dominados por essa realidade. Os artigos
desportivos da A. ou da N. têm a sua própria procura e o seu próprio mercado.
No entanto, aparentemente, têm características muito semelhantes. Mas assim
não é de facto. Os consumidores são muito sensíveis à diferenciação. Os bens
de marcas diferentes não têm um mercado homogéneo, definem vários
mercados. Se um comprador gosta do bem de uma determinada marca mais
do que todos os outros que estão disponíveis, ele está disposto a pagar mais
por isso, um adicional em relação ao que não tem marca ou em relação a outra
marca.

Neste sentido, em vez de um mercado muito amplo dos artigos desportivos,
cada comprador, perante as suas próprias preferências, depara-se com um
leque reduzido de oportunidades, o que permite ao vendedor da marca A. ou
ao vendedor da marca N. ter uma margem de manobra na fixação do
respectivo preço. Voltamos, assim, a encontrar o excedente do produtor na
forma de renda económica.


9.3. Oligopólios e cooperação empresarial.

O oligopólio pode resultar de razões legais, naturais ou de facto. No primeiro
caso estamos perante o regime de condicionamento industrial ou de barreiras à
entrada de um mercado - existindo, portanto imposição jurídica. No caso do
oligopólio natural pode acontecer que, por exemplo, uma matéria-prima só
exista em zonas a que só possa ter acesso um número limitado de produtores.
Neste caso, estamos perante uma situação semelhante à do monopólio natural.

No caso dos oligopólios por razões de facto, poderemos ter ou motivações
técnicas ou de concorrência - ou a produção apenas se pode fazer em
unidades de certa dimensão, ou a evolução natural do mercado leva à
concentração (v.g. produção de automóveis, de lâmpadas eléctricas ou de
cigarros…).

Analisando o funcionamento do mercado e recordando o que já estudámos,
verificamos que numa economia industrial os efeitos de escala favorecem a
formação de acordos e de concentrações de empresas (mergers). Por outro
lado, uma guerra de preços entre empresas conduz a efeitos muito negativos
por parte de quem a leva a cabo, uma vez que no caso de o rendimento
marginal se aproximar do custo marginal o futuro das empresas começa a estar
em causa, como vimos já.


Veremos a seguir, na distinção entre jogos cooperativos e não cooperativos,
como é que pode funcionar essa "guerra" e em que medida ela conduz ou não
a um entendimento entre os produtores, a fim de se garantir a respectiva
sobrevivência e a manutenção dos respectivos excedentes. O oligopólio
permite, assim, que haja um preço de equilíbrio que se mantém, não levando
ninguém à ruína e assegurando a todos os intervenientes relevantes do
mercado um rendimento significativo.


Compreende-se agora melhor o sentido e o alcance do Clayton Act
relativamente aos cartéis (do alemão kartel, que significa oligopólio de conluio,
que se torna, na prática um monopólio ilegítimo). Deve, pois, haver um controlo
rigoroso dos entendimentos entre empresas na medida em que eles prejudicam
o bem-estar da comunidade. Essa preocupação é muito evidente na União
Europeia - onde o mercado interno só pode funcionar com um respeito efectivo
pela concorrência e com o sancionamento efectivo das práticas abusivas ou
restritivas da concorrência.


9.4. A concentração no mercado.


A concorrência não tende a expandir-se indefinidamente. Há situações em que
a entrada de um novo produtor, utilizando uma tecnologia já usada
anteriormente, vai dar origem a uma nova produção em que o custo médio é
superior ao do produto do empresário que já se encontra no mercado. O
empresário recém-chegado será derrotado pelo mais antigo. Como já vimos, a
propósito das incapacidades ou falhas de mercado, há um limiar a partir do
qual nas economias de escala passa a haver tendência para que os custos
sejam crescentes e os rendimentos decrescentes - o que determina o
surgimento da concentração de empresas, com vista à redução dos custos
médios de produção (vd. supra).

De facto, os novos custos fixos de funcionamento desaprovam a proliferação
de iniciativas e parecem aconselhar a concentração, para manter os custos
fixos e garantir um adequado excedente do produtor. Tornou-se, por isso,
importante medir a concentração num mercado - em nome da concorrência.
Quanto maior for a concentração, mais provável se torna que o preço se afaste
do seu nível concorrencial e se aproxime dos máximos que poderão vigorar
numa situação em que temos um só sujeito económico do lado da oferta. A
concentração é, em síntese, um caminho da evolução do mercado
concorrencial para as diversas formas de concorrência imperfeita.

9.5. A não cooperação empresarial: os Jogos e Equilíbrio de Nash.

A concorrência num mercado tem de ser analisada a partir das relações que
se estabelecem entre os agentes económicos. Já vimos que a cooperação
empresarial pode constituir uma resposta às exigências de racionalidade e às
falhas do mercado. A ciência económica importou da investigação matemática
sobre os jogos a reflexão e os estudos sobre os fenómenos de não
cooperação. De um lado, temos a ineficiência decorrente da inexistência de
informação completa nos jogos não cooperativos, de outro lado, há a tendência
para o estabelecimento de um equilíbrio previsível nessas situações.
Vejamos alguns exemplos da teoria dos jogos - formulada por John von
Neumann (1903-1957) e por Oskar Morgenstern (1902-1977). Comecemos
pelo dilema do prisioneiro.

Dois indivíduos A. e B. cometeram conjuntamente um crime e estão presos em
celas incomunicáveis. A lei aplicável estabelece penas variáveis em número de
anos de prisão conforme os arguidos confessem ou não o crime. A utilidade de
cada um dos presos é evidentemente tanto menor quanto maior for um número
de anos de prisão que lhes seja aplicado. Uma vez que o juiz pretende saber a
verdade vai premiar a delação. Temos o seguinte quadro de possibilidades:

(a) Se A confessa e B também confessa, ambos são condenados a 10 anos de
prisão (10, 10).

(b) Se A confessa e B não confessa. A não é condenado e B é condenado a 20
anos (0, 20).
(c) Se A não confessa e B confessa. A é condenado a 20 anos e B não é
condenado (20, 0).

(d) Se A e B não confessam, ambos são condenados a 5 anos de prisão (5, 5).

Considere-se a decisão de A.. A ignora a decisão de B. Supondo que B não
confessa seria mais vantajoso a A confessar, pois obteria a sua libertação,
contra a alternativa de 5 anos de prisão caso não confessasse.

Admitindo que B confessa, seria de novo mais vantajoso para A confessar pois obteria 10 anos em lugar de 20 anos. Qualquer que seja a atitude de B, seria sempre
mais vantajoso para A confessar. Há prejuízo para ambos, mas cada qual age
de forma mais racional para evitar ficar na pior situação.
Apliquemos um raciocínio semelhante a dois armazéns comerciais em
concorrência. Eles irão baixando os preços para ganhar nova clientela até ao
ponto em que o rendimento marginal se aproxima do custo marginal -
circunstância em que, deixando de haver lucro, não é possível baixar mais o
preço. Chegados a esse ponto os dois armazéns, Bom&Barato (B&B) e
Sempre em Festa (SemF), poderão conluiar-se, aumentando por acordo o
preço até ao nível correspondente à situação de monopólio, maximizando,
assim, os lucros. Vejamos como:

(i) Se B&B e SemF fixarem o preço da unidade de determinado produto em
2 Euros obtêm ambos um lucro de x.

(ii) Se B&B baixar o preço da unidade para 1 Euro e SemF ficar na mesma,
B&B passa a ter um lucro maior, de x + n, e SemF um lucro menor, de x
- n.

(iii) Se for SemF a baixar o preço e B&B ficar na mesma a situação invertese.

(iv) Se B&B e SemF fazem o mesmo, baixando para 1 Euro o preço da
unidade, o lucro de ambos desaparece (= 0).
B&B e SemF vão chegar à conclusão que deverão acertar os preços entre si,
para poderem obter lucro ambos.
Regressamos, assim, à cooperação
oligopilística já estu
dada. Se não cooperarem, arriscam-se ambos a entrar
numa situação difícil, sem qualquer excedente resultante da respectiva
actividade económica.
John Forbes Nash (1928- ), celebrizado pelo filme de Ron Howard “A Beautiful
Mind” (“Mente Brilhante”), dividiu os jogos em dois tipos diferentes: os


cooperativos (aqueles em que existe a possibilidade de aliança entre os
intervenientes no jogo, p. ex. bridge) e os

não cooperativos (aqueles em que
não há entendimento, cada um jogando por si, por ex. o póker).

Nash analisou
as atitudes pessoais dos jogadores, em situações não cooperativas, que têm
tendência para encontrar soluções de equilíbrio, previsíveis. Apesar de não
cooperarem, os incentivos pessoais de cada um podem orientar o resultado do
jogo para uma situação definida que se revele estável. Nesse caso é fácil
encontrar o desfecho do jogo.
Suponhamos Alberto e Berta, que são jovens namorados. Alberto gosta de ir
ao futebol. Berta gosta de ir à ópera. Mas ambos gostam de estar um com o
outro.
Se ambos escolherem segundo a sua preferência não estarão juntos. Haverá,
por isso, uma desutilidade para os dois. Haverá interesse em mudar de atitude
para obter uma utilidade maior. Se Alberto escolher ir à ópera, Berta obtém a
utilidade máxima. Se Alberto escolhesse o futebol obteria uma utilidade menor,
pois teria de ir sozinho. Indo os dois à ópera Berta tem uma utilidade 2, Alberto
terá uma utilidade 1. Se fosse ao futebol Alberto teria uma utilidade 0. O
equilíbrio de Nash estará, pois, nesta solução (o/o). se as escolhas fossem
diferenciadas não haveria equilíbrio de Nash (o/f, f/o). Se Berta decidir ir ao
futebol, então o equilíbrio obter-se-á na situação f/f. Os dois resultados
tornaram-se previsíveis. Precisamos apenas de saber qual a primeira decisão.
Agora, suponhamos, que depois do casamento a Berta já não se importa de
ficar sozinha em casa, enquanto Alberto continua a preferir estar com a Berta.
Neste caso, a estratégia seguida por Alberto poderá ser a do mal menor. Nem
Alberto vai ao futebol nem Berta vai à ópera - mas ambos obtêm uma utilidade
1, não saindo de casa. Alberto fica com Berta e Berta não se maça saindo de
casa (n/n)…

No filme "A Beautiful Mind" (2001) o exemplo dado é o de uma loira disputada
por vários jovens, que chegam à conclusão de que não podem aspirar a ficar
com ela (first best), pelo que se limitam a fazer a segunda escolha (second
best), optando pelas outras raparigas, procurando assim uma utilidade
intermédia.

O equilíbrio de Nash conjuga informação e aprendizagem, que só se
adquirem no longo prazo. Havendo um oligopólio e acordo entre agentes,
encontramos uma evolução que alterna a cooperação com a não cooperação.

Primeiro, os vendedores chegam a acordo, mas depois vão tentar fazer batota.
Mas os vendedores sabem apenas que se subirem os preços perdem a
clientela e se os descerem obtêm a clientela perdida pelos concorrentes.
Temos, assim, o que Paul Sweezy (1910- ) designou como a curva da procura
quebrada (kinked demand curve). Há duas elasticidades diferentes. Uma acima
do preço de equilíbrio - a relação procura/preço é elástica já que o comprador
tem alternativas - e outra abaixo do referido preço - a relação é inelástica, uma
vez que o comprador deixa de ter alternativa, adquirindo ao preço mais baixo.
Ainda quanto à teoria dos jogos deve referir-se os importantes contributos de
Robert J. Aumann (1930-) e de Thomas C. Shelling (1921-), vencedores do
Prémio Nobel da Economia de 2005, autores da teoria da decisão interactiva,
que permite a compreensão dos fenómenos do conflito e da cooperação.
Aumann estudou os fenómenos de adaptação à natureza dos seres vivos, a
partir da existência de ameaças que condicionam as atitudes, os
comportamentos e até a sua configuração física. Os pavões na Índia, por
exemplo, têm a cauda mais curta porque vivem sob a ameaça dos tigres (que
podem atacá-los mais facilmente pegando-os pela cauda), enquanto na
Europa, sem essa ameaça, desenvolvem mais esse apêndice.
Por outro lado, Schelling estudou sobretudo o fenómeno das estratégias de
conflito, no campo da defesa e da estratégia militar, designadamente a guerrafria
e o equilíbrio das ameaças, que dificulta a eclosão de conflitos abertos e
generalizados.


9.6. A importância do mercado da informação: reputação e
especialização.

Para compreendermos um mercado e o seu funcionamento é essencial
percebermos a importância de um segundo mercado, que é o "mercado da
informação". O consumidor e o produtor precisam de informação para se
movimentarem bem no mercado e para obterem as melhores condições. Daí a
importância crescente das campanhas publicitárias e do modo como se
apresenta um determinado bem ou serviço no mercado.

A credibilidade e a
fiabilidade com que se apresenta um determinado produto são essenciais para
se encontrar a melhor maneira de chegar ao consumidor e de garantir a
percepção sobre a satisfação da necessidade.


No mercado da informação há que atender aos "custos de busca" da
informação disponível, de modo a saber em que termos a necessidade é
satisfeita e qual a relação entre o custo e o benefício. Cabe ao produtor reduzir
ao máximo esse custo de busca, uma vez que o consumidor não está
disponível para fazer um grande esforço. Eis porque os vendedores fixam o
preço a um nível acima do mínimo que podem praticar - contando com a pouca
persistência dos compradores e com a possibilidade de compensarem as
quebras da procura. Os vendedores praticam preços diferenciados porque
sabem que os custos de busca do preço mais baixo dissuadirão a maioria dos
consumidores de procederem a comparações exaustivas. Vale a pena procurar
os preços mais baixos enquanto o benefício marginal esperado for igual ou
superior ao custo marginal desse esforço.

A oferta de um produto a um preço mediano vai afastar do mercado os
vendedores dos produtos com qualidade superior à mediana. Vão ser deixados
no mercado por "selecção adversa" apenas os vendedores de produtos com
qualidade inferior à mediana.

Por exemplo, nos contratos de seguro automóvel
vão ser os condutores com mais acidentes os que vão dominar.
Perante esta tendência os vendedores de produtos de qualidade superior à
mediana têm interesse em prestar informação gratuita e credível ao comprador,
informação gerada fora das transacções do mercado, de modo a não serem
excluídos por "selecção adversa". As campanhas publicitárias visarão justificar
a credibilidade, trata-se de sinalizar qual a diferença. Vão procurar demonstrar
a verdade do ditado popular "o barato sai caro". Nesse sentido, o vendedor vai
dar garantias adicionais, explicando a maior duração do produto, promovendo a
comparação, facilitando a vida do comprador. O preço mais alto passa então a
ser um sinal de diferença positiva, de distinção, de prestígio, de marca.


Mas há, em contraponto à "selecção adversa", o "risco moral". Ou seja, no
decurso de uma relação contratual duradoura, o vendedor pode vir a abusar da
confiança que nele é depositada, deixando de cumprir ou não cumprindo
devidamente os deveres a que se obrigou - e fiando-se na assimetria
informativa e na dificuldade em detectar o cumprimento defeituoso. Ainda no
contrato de seguro automóvel, pode haver incentivo a que os condutores sejam
menos diligentes, porque os seus riscos estão cobertos pelo seguro.


A defesa dos direitos dos consumidores assume, assim, uma importância
cada vez maior. A protecção dos consumidores cabe não apenas às
instituições de regulação pública, mas também às associações ou ao
movimento cooperativo - para contrariar a um tempo os efeitos negativos da
selecção adversa e do risco moral.

A reputação e a especialização funcionam, assim, segundo tendências
diversas. A formação de uma opinião pública informada e rigorosa conduz a
maior exigência e a uma maior emulação centrada num melhor conhecimento
dos intervenientes no mercado e das condições em que funcionam.

Mas a pressão publicitária pode ser enganadora (uma vez que não visa
apenas informar mas também condicionar). A confiança no mercado exige hoje
não apenas a tomada de consciência por parte dos produtores mas também
dos grandes intermediários (as grandes superfícies, os hipermercados), que
funcionam numa lógica de oligopsónio, pressionando também o mercado e
podendo contribuir para uma melhor salvaguarda dos interesses dos
compradores.

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