sexta-feira, janeiro 16, 2009

 

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CAPÍTULO X - Repartição do rendimento e o mercado de factores

10.1. Factores de produção e a sua remuneração.

Importa agora analisar os mercados dos factores de produção, a saber, os
mercados do trabalho, mercados dos capitais e os dos factores naturais, depois
de termos falado dos mercados de bens e serviços. Em cada um deles pesam
as especificidades inerentes ao objecto das trocas e à natureza da respectiva
remuneração.

Relativamente ao trabalho, consideramos o salário que o
trabalhador aufere e que vai estabelecer-se num mercado com características
especiais.

No caso dos capitais a remuneração faz-se através do juro, que
confere à passagem do tempo uma expressão importante, influenciando de
modo decisivo a configuração e o comportamento desse mercado - de que a
bolsa de títulos é o melhor e o mais ilustrativo dos exemplos.

Nos factores
naturais, a remuneração é feita através da renda, elemento determinante para
a definição e concretização deste mercado.

Para compreendermos o mercado de factores de produção temos de nos
reportar, em primeiro lugar, à organização da produção e do consumo. Os
produtores usam os factores de produção para criar bens e serviços. E essa
criação tem de considerar o modo como se abastecem os mercados. A criação
terá, assim, partir do tipo de bens e de mercados que nos importam. Devemos,
por exemplo, distinguir consoante os produtos permitam ou não a constituição
de stocks. Os produtos que permitem a constituição de stocks, isto é, que
podem ser armazenados, de modo a garantir um escoamento regular, através
da actividade de distribuição - são aqueles para os quais a actividade de
produção e a de consumo podem ser separadas no tempo. Esse
armazenamento pode envolver gastos mais ou menos elevados, que
influenciarão os respectivos preços de mercado - podendo ir desde o
arrendamento de armazéns até à vigilância, à energia gasta, passando pelo
custo da rede de frio, fundamental no caso dos bens alimentares ou de bens
que tenham a ver com a saúde pública. A utilização dos factores de produção
não é feita indiferentemente nas diversas situações possíveis. Os stocks
podem ser constituídos para garantir um abastecimento regular e permanente
do mercado, uma vez que os distribuidores têm dificuldade em saber qual a
procura final - ou para fins especulativos, a fim de aproveitar as variações
sazonais do mercado.

A produção de serviços não permite a constituição de stocks, que têm como
característica o facto de a capacidade de produção dever estar disponível no
mesmo momento em que a procura se manifesta. Por este facto, temos neste
segundo tipo de criação económica a possibilidade de encontrar insuficiente na
capacidade de resposta. No guichet de um banco a aproximação do fim do mês
pode levar à formação de filas por haver um excesso na procura do serviço. O
mesmo se diga das repartições de finanças em fim de prazo para pagamento
de impostos ou de um salão de cabeleireiro em dias festivos. Já no caso do
abastecimento da energia eléctrica, havendo períodos de sobrecarga de
consumo, há a tendência para aumentar as tarifas nas horas mais críticas, para
obrigar o consumidor a reduzir a sua actividade nesses momentos.
Os bens podem ainda influenciar o respectivo mercado de factores de
produção consoante sejam duradouros ou não duradouros. No primeiro
caso, o consumo não envolve de imediato o respectivo desaparecimento. Está
no segundo caso o exemplo dos produtos frescos (legumes, frutas, produtos
pecuários), cujo consumo tem de se fazer num prazo determinado, sob pena
de perderem qualidade ou de afectarem a saúde pública.
A antiguidade ou a natureza dos bens é algo de especialmente importante na
organização da produção. Há bens que se valorizam com o tempo e bens que
se desactualizam ou se destroem com o decurso do tempo. Eis porque na
actividade económica a organização da produção tem de considerar essas
diferenças. É indispensável saber que tipos de bens ou de serviços são
fornecidos no mercado. E é preciso saber qual o efeito da deterioração e da
obsolescência como elementos de diferenciação dos produtos. E é fácil de
compreender que a informação sobre as condições de produção e de
manutenção ou de conservação é um elemento essencial para os
consumidores.

10.2. Procura e oferta de factores de produção. Especificidades.

Na óptica do puro dom da natureza, a oferta total relativa a um factor natural
corresponde a um montante fixo e inalterável. As alterações do preço de
equilíbrio ficarão a dever-se a modificações ocorridas no mercado, ora do lado
da procura, ora do lado da oferta. Contudo, a alteração do preço de equilíbrio
dos factores naturais não é devida, em regra, a modificações na oferta, a não
ser que haja mudança das respectivas condições naturais (inundações e
temporais, erupção vulcânica, catástrofe natural). Quanto à procura, o preço do
recurso natural vai variar com o preço do bem que a partir dele vai ser
produzido. Temos, pois, uma procura "derivada". Se o preço da terra para o
cultivo do trigo é elevado, é porque o preço do trigo é elevado - mas não é
verdadeiro dizer-se que o preço do trigo é elevado porque o preço da terra é
elevado. A elevação do preço do factor terra ocorrerá se a oferta do recurso
natural for completamente inelástica e o seu uso exclusivo. O valor dos
produtos produzidos é que determina o nível da renda de um recurso natural.
Os preços não reflectem, assim, em regra, os custos inerentes aos factores
naturais de produção.

Relativamente aos factores naturais de produção há ainda a referir a incidência
do conceito de renda económica. Como sabemos, David Ricardo (1772-1823)
partiu da hipótese abstracta de uma época primordial indeterminada em que se
teria realizado a ocupação das terras. Os homens teriam ocupado em primeiro
lugar as mais férteis. O custo da produção nestas terras mais férteis era
idêntico para todos os proprietários. Mas, devido ao aumento da população, os
homens viram-se na necessidade de cultivar novas terras de fertilidade inferior
em relação às primeiras. Nessas terras o custo para produzir o mesmo é mais
elevado. Assim, os proprietários das terras de primeira categoria, vendendo os
seus produtos pelo mesmo preço que os produzidos nas terras de segunda
categoria auferem um ganho suplementar, independente do trabalho e do
capital consagrado à produção. Enquanto um terreno pedregoso do interior tem
uma procura muito reduzida, por não permitir culturas, um terreno fértil do litoral
vai ter uma procura maior. Recordamos o que já dissemos sobre a renda
económica, e encontramos deste modo a justificação do excedente. Enquanto
na terra ou nos factores naturais funciona a aptidão natural para a produção de
bens, no caso de outras actividades é relevante o talento ou o prestígio de
quem presta o serviço. Deste modo, o conceito de renda económica é geral,
aplicando-se a múltiplas situações.

No mercado de capitais há, por um lado, a oferta de poupanças ou de títulos
representativos de participações sociais ou de créditos (obrigações e acções)
e, por outro, a procura de capitais e dos respectivos títulos. Antes do mais,
temos a moeda e relativamente a esta a actividade bancária vai definir, através
dos Bancos Centrais, as taxas de referência em relação às quais a banca
comercial vai definir as taxas de juro (passivas ou activas, respectivamente
para depósitos e para empréstimos). Estamos ainda perante movimentos
financeiros que permitem o encontro da poupança e do investimento. As
acções e as obrigações compram-se e vendem-se na Bolsa de valores, a um
preço fixado por leilão, pelo funcionamento da lei da oferta e da procura.
Estamos, assim, perante um mercado que se aproxima bastante da
concorrência perfeita, sobretudo quando tem dimensão suficiente. As cotações
da Bolsa de cada dia para cada título em circulação reflectem as condições da
oferta e da procura, que se alteram com o tempo.

As transacções sobre títulos são de dois tipos - subscrições, quando os títulos
são emitidos e entram em circulação; e circulação, quando os títulos uma vez
emitidos já podem ser transaccionados. No primeiro caso temos o mercado
primário, no segundo temos o mercado secundário. Só o mercado primário
alimenta as empresas, com capital social nas acções, com créditos nas
obrigações. O curso dos títulos vai ser determinado pelas opiniões que
circulam sobre a capacidade de uma empresa reembolsar o capital emprestado
(no caso das obrigações) ou sobre os dividendos esperados, resultantes dos
lucros obtidos pelas empresas. Há, no entanto, factores aleatórios de natureza
psicológica que funcionam como decisivos para a fixação dos valores de
mercado. Nesse sentido, a existência da Bolsa obriga a que haja uma entidade
reguladora que garanta o cumprimento das regras inerentes à concorrência
constantes do regime jurídico em vigor (entre nós CMVM - Comissão do
Mercado dos Valores Mobiliários). Aliás, a recente crise financeira internacional
revelou a importância fundamental de uma actividade de regulação
independente, sem a qual o interesse geral não é devidamente salvguardada.

Diferentemente dos outros factores, o trabalho é por natureza muito
heterogéneo, pela multiplicidade de actividades que pode envolver. A própria
medida do trabalho realizado varia muito (salário por hora, jornada diária,
vencimento mensal). Também há uma grande diferença de estatutos - desde o
trabalhador independente ao trabalhador por conta de outrem ou assalariado. A
formação dos salários do trabalhador dependente faz-se, em regra, segundo a
lei da oferta e da procura, mas também segundo as negociações colectivas, no
que podemos designar como monopólio bilateral – em que temos
confederações patronais e sindicais a protagonizar a concertação.

Funcionando a lei da oferta e da procura, um excedente de mão-de-obra
procurada faria aumentar o nível do salário, enquanto um excedente de mão de
obra oferecida tende a fazer baixar esse valor de salário de equilíbrio. Estamos
a falar não do mercado do trabalho em geral, mas do mercado de cada
profissão. Nas profissões mais duras, a curva da oferta situa-se mais à
esquerda do que no caso das profissões mais procuradas e agradáveis. Os
mercados influenciam-se entre si, uma vez que os trabalhadores podem
circular procurando diversas ocupações. Isso é particularmente evidente em
situações de desemprego. A mobilidade inter-profissional é importante,
sobretudo quando se nota carência de uma determinada formação
especializada. Se a mobilidade é pequena há rigidez no mercado e as
remunerações aumentam relativamente às formações especializadas mais
raras.

As sociedades desenvolvidas têm movimentos sindicais fortes e os salários
são fixados em condições na prática diferentes das de concorrência perfeita,
uma vez que se pretende garantir a existência das melhores condições de
justiça e equidade. Verificamos, assim, que há uma tendência para a
monopolização da representação da oferta e da procura. De um lado, temos as
confederações patronais e de outro as confederações sindicais. O Estado
funciona como árbitro, havendo para tal efeito instituições de concertação
social (entre nós o Conselho Económico e Social e a sua Comissão
Permanente de Concertação Social).

Como funciona a concertação social? Os sindicatos procuram obter um
salário acima do valor de equilíbrio, com subemprego. Só o conseguirão se o
Estado garantir subsídios de desemprego de valor aceitável para os
trabalhadores que não tiverem emprego em virtude desse aumento de salários.
Se há desemprego, os sindicatos poderão aumentar o salário desde que haja
medidas complementares de redução da oferta de trabalho, por ex. redução
das horas de trabalho, redução da idade de reforma, alargamento da
escolaridade obrigatória, limites à imigração…). Por fim, a acção sindical pode
induzir um aumento da procura de trabalho - facto que poderá ser alcançado
através de um esforço concertado no sentido do aumento da produtividade
(mais produtos criados com as mesmas horas de trabalho) e da melhoria das
qualificações, que levarão as empresas a procurar novos trabalhadores com as
novas características.

Deve ainda acrescentar-se que no mercado do trabalho vai pesar a existência
de um sistema de segurança social, para cobertura dos diversos riscos
sociais (desemprego, saúde, velhice, morte, sobrevivência…). Há, deste modo,
salários indirectos estipulados por lei, uma vez que o jogo da concorrência não
permitiria essa protecção e o Estado assume a protecção fundamental de
todos, retirando essa decisão da vontade dos agentes económicos (estamos
perante a ideia de justiça como equidade de J. Rawls).

O desemprego é o maior risco das economias de mercado. O objectivo de
pleno emprego está, pois, sempre presente no Estado Social contemporâneo.

Pleno emprego é a situação do mercado de trabalho de uma determinada
profissão em que todos os que desejam trabalhar um certo número de horas,
com o salário em vigor, encontram um empregador disponível para lhes dar
essa ocupação.

Assim, se o mercado de trabalho de uma certa profissão está em equilíbrio
clássico, coincidindo o salário em vigor com o cruzamento das curvas da
procura e da oferta, há pleno emprego. Se o salário em vigor está abaixo do
cruzamento das curvas da procura e da oferta, em virtude de quem procura
trabalho não responder plenamente aos recursos disponíveis, ainda há
tecnicamente pleno emprego. Se o salário em vigor está acima do cruzamento
das curvas, em virtude de quem oferece trabalho não utilizar plenamente os
recursos disponíveis então há subemprego nessa profissão, o que envolve a
existência de desemprego.

Já afirmámos anteriormente que o bem-estar de uma comunidade depende,
no conjunto, da satisfação das respectivas necessidades, envolvendo a soma
dos excedentes dos produtores e dos consumidores. Uma vez feita a repartição
dos rendimentos pelos diferentes factores temos de considerar que a melhor da
satisfação das necessidades passa pela maximização do rendimento do
empresário, o que significa a maximização dos lucros correspondentes à
participação no capital.
Recapitulando o que já anteriormente analisámos, importa recordar o que já
estudámos relativamente ao excedente do produtor. Depois de termos visto em
que consiste a renda económica - um excedente devido às qualidades do
factor de produção ou do produtor, que têm a ver com características naturais,
com o seu prestígio, com a sua experiência ou com a excepcional confiança de
que goza - ou em que consiste a quase-renda - que existe quando o produtor
tem entrada reservada no mercado, auferindo um benefício por esse facto -
podemos compreender que o excedente é o resultado de características
próprias de cada produtor e do seu produto.

No caso do factor trabalho, temos a referir ainda o conceito de vencimento de
transferência, que é o valor mínimo da remuneração que o trabalhador está
disposto a aceitar. Acima desse valor haverá um efeito de renda, que terá
maior expressão relativamente a quem tenha maior prestígio e maior
capacidade para seduzir ou para atrair a procura (dois pianistas poderão ter as
mesmas qualidades artísticas, mas um é mais conhecido do que o outro e
beneficia desse facto). O vencimento de transferência no mercado do factor
trabalho tem correspondência com o lucro normal próprio dos produtores no
mercado dos bens e serviços.

O mecanismo da concorrência tem, porém, por efeito reduzir
sistematicamente, no longo prazo, os lucros que as empresas procuram
maximizar. E em situação limite, a concorrência perfeita leva até a que os
lucros tendam para zero (entenda-se o lucro marginal e o lucro médio). Tratase
de um paradoxo inerente à própria concorrência, uma vez que os diferentes
agentes económicos do mercado prosseguem objectivos semelhantes,
procurando atingir a maior satisfação possível de necessidades - praticando o
preço mais competitivo.

O equilíbrio final do ciclo de uma indústria é aquele pelo qual todas as
empresas vêem o seu custo médio e o seu custo marginal igualar o preço
de venda do produto no mercado. A produção atinge, assim, o ponto mínimo
da curva de custo médio. Ora, na medida em que o rendimento marginal se
aproxima do custo marginal o excedente fica reduzido ou é anulado - o que
exige a inovação, como forma de garantir o início de um novo ciclo no
mercado, aumentando o excedente do produtor e o bem estar geral.
Há diversas fontes de lucro - desde os ajustamentos temporários de mercado
(envolvendo o aumento de procura ou a redução de custos, a curto prazo) até à
inovação científica e tecnológica, passando pelo risco e pela incerteza, que
favorecem os factores aleatórios do mercado.

10.3. Informação imperfeita e discriminação na remuneração de factores.

Perante uma informação imperfeita, crescem os factores imprevisíveis e
aleatórios. Esses factores favorecem a discriminação na remuneração dos
factores de produção, o que se torna particularmente evidente em relação ao
trabalho. O exemplo do trabalho das mulheres é especialmente evidente e
ilustrativo. Mas podemos encontrar ainda as situações de trabalhadores
migrantes ou de trabalhadores clandestinos. Na sociedade americana de antes
dos anos sessenta a discriminação racial era uma marca - como o foi até há
pouco tempo na África do Sul. Ao contrário destas situações, a discriminação
pode ser positiva (fala-se então, com mais propriedade, de diferenciação
positiva) se nos ativermos aos trabalhadores mais qualificados ou àqueles que
beneficiam de uma renda económica para além do vencimento de
transferência. A legislação do trabalho, a adopção de programas de
diferenciação positiva (relativamente às mulheres, no sentido da paridade, por
ex.), o funcionamento do mercado afastando práticas de exclusão, a aposta na
formação, na qualificação e na valorização do capital humano são meios de
contrariar os efeitos negativos resultantes de uma informação imperfeita no
mercado.

Mas o mercado resiste à discriminação - nos Estados Unidos as empresas
de transportes recusavam-se a discriminar os negros porque a exigência de
veículos separados reduziria os seus lucros. Além disso, por exemplo, os
negros começaram a boicotar algumas empresas e carreiras, com resultados
negativos para a respectiva exploração.

O conceito de capital humano, formulado por Theodore W. Schultz, em 1961,
e também desenvolvido por Gary S. Becker, constitui um dos elementos
essenciais para diferenciar os rendimentos e para contrariar as discriminações
ilegítimas no mercado. A educação e a formação profissional são os factores
essenciais para a valorização do capital humano. O nível de formação e a
capacidade de aprendizagem diferenciam os sujeitos económicos, aumentando
o rendimento e a integração no mercado. T. Schultz começou por dizer que os
agricultores tradicionais seriam empresários tão capazes e inovadores como os
de qualquer outra actividade - por isso a principal aposta de modernização
deveria ser "investir nas pessoas", até para melhor mobilizar a comunidade, no
sentido da inovação e da criatividade.
Ao falarmos do excedente que fica depois de remunerados todos os factores
referimo-nos ao lucro, que resulta, não de factores momentâneos e aleatórios,
mas de acções deliberadas no sentido da inovação - designadamente quanto à
melhoria de informação sobre os mercados, quanto à expansão do
conhecimento científico e técnico, que aumenta a diferenciação e a
produtividade do trabalho e quanto à discriminação no trabalho. Daí a
importância dos investimentos em formação ou em investigação científica e
tecnológica, no aumento de produtividade, na melhor organização da
actividade produtiva e na análise e prospecção de mercados.

10.4. Desigualdade e pobreza.

O mercado de factores gera desigualdades, sobretudo se nos lembrarmos do
exemplo de David Ricardo. Quando procuramos responder à pergunta "para
quem produzir", estamos perante a necessidade de conceber políticas
públicas que se preocupem com a distribuição dos recursos e com a
administração da equidade e da justiça. O cálculo meramente racional não
funciona em termos absolutos, quando nos reportamos à partilha de recursos,
devendo, por isso, ser corrigido pelos valores sociais. A pobreza e as
desigualdades chocantes têm de preocupar os decisores económicos. Que
critérios deveremos ter em conta? É a distribuição da propriedade que gera
desigualdades? Ou será a repartição de rendimentos, uma vez que é a criação
de riqueza nova que importa?

A repartição de rendimentos é o que importará, e não tanto a distribuição da
propriedade. De facto, a capacidade criadora dos agentes económicos
manifesta-se relativamente aos factores variáveis de produção e aos
rendimentos que estes geram. É a esse propósito que devemos analisar os
temas das falhas de mercado, da desigualdade de oportunidades, do esforço
para criar nova riqueza e também o da regulação económica. Assim, temos de
tomar consciência de que as disparidades, além de serem manifestações de
injustiça, são também expressão de fragmentação social - o que se repercute
negativamente na eficiência e na racionalidade económicas.
Numa sociedade em que, por hipótese, os 20% da população com menos
rendimentos têm apenas 1 ou 2% do total dos rendimentos gerados, enquanto
os 20% da população com maiores rendimentos têm 80% dos rendimentos
totais, temos uma situação fortemente desequilibrada, com uma acentuada
desigualdade e uma intensa pressão social de quem tem rendimentos menores
- com efeitos muito negativos no funcionamento da economia e da sociedade.
Se existe equilíbrio, e os 20% mais pobres têm 15% dos rendimentos enquanto
os 20% mais ricos têm 22% dos rendimentos, há tendência para haver maior
coesão.

Max Lorenz (1880-1962) elaborou um gráfico – a curva de Lorenz – que
representa a distribuição de rendimentos numa sociedade. Se houvesse
perfeita igualdade, haveria uma linha recta (a quaisquer 5% da população
corresponderiam 5% dos rendimentos) A representação gráfica corresponde,
assim, ao conjunto de pontos que têm por coordenadas: X corresponde à
percentagem acumulada de pessoas recebendo um determinado rendimento; e
Y à percentagem acumulada de rendimento. Corrado Gini (1884-1965) partiu
desta representação para formular um Coeficiente o Índice de desigualdade
(designado como Coeficiente de Gini), elaborado a partir da comparação
entre a situação existente de desigualdade e a recta correspondente à situação
de equilíbrio igualitário.
Hoje, um quinto da população mundial vive com um rendimento igual ou inferior
a 1 Euro por dia. Um quarto da população mundial vive com menos de 2 Euros
por dia. Em Portugal, com números de 1995, 2% da população ainda vivia com
o correspondente a 2 Euros por dia, enquanto que em Moçambique 78,4% da
população vivia com esse rendimento.
Apesar dos grandes progressos registados, os últimos anos têm conhecido um
agravamento das desigualdades no mundo. Se considerarmos o rendimento
por cabeça, nos últimos 40 anos, verificou-se um grande agravamento das
desigualdades. O rendimento médio por pessoa dos 20 países mais ricos do
mundo é hoje de cerca de 40 vezes superior ao rendimento médio dos 20
países mais pobres. Há 40 anos essa distância era de menos de 20 vezes.

10.5. O combate à pobreza e à exclusão.

O combate à desigualdade e à pobreza depende dos objectivos políticos e do
contexto social. Assim, equidade e igualdade de oportunidades estão em
confronto com o igualitarismo. O mercado pressupõe a existência de diferenças
e complementaridades. Mas há um limiar de pobreza, abaixo do qual, de
acordo com critérios de justiça e de coesão social é desejável que ninguém se
encontre. A economia precisa de encontrar um equilíbrio entre a preservação
da coesão social e a salvaguarda do dinamismo e do espírito de risco – e que a
igualdade não prejudique a liberdade, de modo que a equidade não prejudique
a eficiência, de modo que a riqueza não se baseie na injustiça. Justiça,
utilidade e liberdade devem estar permanentemente presentes nas decisões
públicas a adoptar relativamente à economia.

O tema da justiça na vida económica pode ser analisado na perspectiva dos
fins ou dos resultados. Ou se adopta uma abordagem utilitarista ou se
assume uma posição centrada na "justiça como equidade", na linha de John
Rawls. No primeiro caso, faz-se uma comparação entre as utilidades marginais
decrescentes. Para realizar uma repartição equitativa deveríamos tirar uma
parte dos bens a quem dispõe de mais doses de bens - o que implica uma
perda das utilidades menos significativas - para os atribuir a quem dispõe de
poucas doses, auferindo, assim, utilidades marginais maiores. Nesta hipótese,
não se tem em consideração o grau de esforço ou o mérito para obter
determinado bem e satisfazer uma necessidade económica. Na segunda
perspectiva concentramo-nos na obtenção de maior coesão possível, através
da diminuição das perdas máximas que advenham do facto de uma pessoa se
encontrar no grupo mais desfavorecido da sociedade. Trata-se, no fundo de
proteger a sociedade contra os resultados mais desfavoráveis que afectam o
grupo dos mais pobres. Adoptam-se medidas cirúrgicas na erradicação das
formas mais extremas de riqueza - sem pôr em causa a liberdade económica.
A situação pode ser mais inigualitária, mas o critério da justiça como equidade
cumpre-se desde que quem está em posição mais desfavorável não sai
prejudicado ou tenha novos benefícios.

Além do critério dos resultados, temos ainda o critério dos meios e do
procedimento - numa lógica eminentemente individualista. A justiça seria
preservada se fosse justo o processo através do qual as pessoas enriquecem.
A ideia de igualdade deixa, nessa perspectiva, de estar nos resultados e passa
para as oportunidades. Nesta perspectiva, bastaria criar condições de
igualdade de oportunidades - como na prova de atletismo em que todos os
atletas partem da mesma linha. No entanto, não poderá esquecer-se ainda a
correcção das desigualdades concretas, para além da mera consideração das
oportunidades.

Como se faz o combate à pobreza?

(a) pela tributação progressiva ou proporcional dos rendimentos,
discriminando assim os que têm maiores e menores rendimentos;

(b) pelo estabelecimento de medidas de combate directo à pobreza –
através da segurança social, dos subsídios de desemprego, e os incentivos
à criação de empregos);

(c) pela prestação de serviços subsidiados pelo Estado a favor dos mais
pobres (por ex. rendimento mínimo de inserção).
Importa, porém, contrariar o que se designa como "armadilha da pobreza",
que leva o pobre a subtrair-se ao mercado de trabalho, preferindo viver na
dependência do subsídio. O modo de contrariar essa tendência está em
substituir os instrumentos visando a equidade, por mecanismos de eficiência,
sendo um desses instrumentos o "imposto negativo". Nesse caso, todos os
indivíduos são formalmente tributados, não havendo isenção de um mínimo de
existência, todavia, a todos é concedido um crédito de imposto que, deduzido
do imposto devido, corresponderia a um apoio aos mais pobres, permitindo
uma transição das situações de benefício para as situações de tributação. O
rendimento mínimo de inserção seria assim conseguido não através de um
subsídio mas de um crédito de imposto. No entanto, no sentido da
diferenciação positiva haveria a necessidade fundamental de adoptar políticas
activas de emprego e de formação, centradas na valorização do "capital
humano" - segundo o velho princípio segundo o qual mais importante do que
dar o peixe é fornecer a cana de pesca.

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