quinta-feira, janeiro 15, 2009

 

iec6

CAPÍTULO VI - A procura nos mercados concorrenciais
6.1. A escolha do consumidor, indiferença e restrição orçamental.
As escolhas dos consumidores têm em consideração os axiomas das
preferências, que pressupõem a permanente realização de escolhas, a partir
de comparações entre bens ou conjuntos de bens. O consumidor vê-se, assim,
sempre confrontado com a necessidade de verificar qual a fronteira do seu
rendimento para efeito da realização de escolhas e dentro dessa fronteira,
também já analisada, poderá encontrar os recursos ou as combinações de
recursos indispensáveis para uma satisfação equilibrada das suas
necessidades.

Vilfredo Pareto (1848-1923) estudou as condições em que o equilíbrio
económico acaba por se estabelecer. Dentro dessa preocupação chegou à
elaboração das curvas de indiferença - expressão gráfica das combinações
de bens que proporcionam aos indivíduos satisfações idênticas. Nesse sentido,
a vida económica representar-se-ia como a ascensão de uma colina em que as
curvas de indiferença apareceriam como se fossem as curvas de nível -
unindo os pontos que correspondem a uma satisfação idêntica de
necessidades. Os sujeitos económicos procuram, assim, entre os vários
caminhos que lhes estão facultados, aquele que vai permitir dentro dos
rendimentos de que dispõem atingir a curva de nível que corresponda a uma
melhor satisfação das necessidades. Procura-se, deste modo, encontrar uma
base matemática rigorosa, para evitar o subjectivismo de algumas construções
marginalistas e para responder à dificuldade que existe em medir a utilidade.
Por definição, a curva de indiferença mais elevada será aquela que é
tangente à fronteira de escolhas, também designada como recta da
restrição orçamental, isto é, a que num determinado ponto coincide com o
valor mais elevado que é consentido pela limitação orçamental. Nesse ponto, a
curva de indiferença coincide com a inclinação da recta de fronteira de
escolhas, coincidindo os valores que ambas exprimem. E uma vez que
estamos a comparar dois tipos de bens (bens alimentares e bebidas, livros e
discos) temos que a taxa marginal de substituição coincide com o seu preço
relativo.
Importa aqui relembrar o que se disse sobre os conceitos de efeito de
rendimento e efeito de substituição. Aqui os reencontramos. Se o rendimento
aumenta as curvas de indiferença deslocam-se para a direita. Perante bens
sucedâneos e perante escolhas alternativas o preço e a quantidade são
decisivamente influenciados pelo efeito da substituição.

6.2. Utilidade, eficiência e bem-estar.
A utilidade, tal como tem sido analisada pela Ciência Económica, corresponde
à susceptibilidade de um bem ou serviço satisfazer necessidades humanas.
Quando um comprador se dispõe a trocar um bem por outro fá-lo tendo em
consideração as necessidades que este visa satisfazer. A utilidade esperada
de um bem ou serviço vai pesar decisivamente na concretização da troca e na
atribuição de um valor ao bem ou serviço que se pretende adquirir. O
consumidor e o produtor partem, porém, de considerações diferentes.
Enquanto o produtor visa ressarcir o custo de produção e obter um lucro, o
consumidor visa obter nas melhores condições de quantidade e preço o bem
ou serviço que procura. De um lado, o produtor deseja poder vender mais, a
um preço mais elevado, do outro, o comprador anseia por poder comprar mais
quantidade a um preço mais baixo. Por força do mercado, ambos resignam-se
à situação de equilíbrio.

A eficiência no mercado corresponde ao equilíbrio global obtido no conjunto
das trocas realizadas, ao bem-estar obtido pela comunidade, considerando os
interesses conjugados dos produtores e dos consumidores bem como a coesão
social, à sustentabilidade da actividade produtiva, enquanto criadora de
riqueza, e ao nível de satisfação das necessidades por parte da procura. Nesse
sentido, o mercado deve constituir o instrumento regra de regulação da
economia - enquanto for o melhor factor de eficiência.
A análise do bem-estar revela-se fundamental na Ciência Económica moderna,
uma vez que é indispensável saber-se qual a repercussão prática para os
sujeitos económicos individualmente considerados e para a comunidade da
actividade económica, do funcionamento do mercado e do modo como as
necessidades são satisfeitas. Como já vimos, o comprador só adquirirá o bem
que deseja se entender que a troca em causa vale a pena. Se aquele que tiver
de dar for mais do que compensado pelo benefício que lhe vem da aquisição e
se o sacrifício efectivo ficar aquém do sacrifício que o sujeito admitiria fazer
para ter acesso ao bem, então a transacção pode realizar-se. A curva
descendente da procura é definida pelos diversos pontos correspondentes a
uma utilidade decrescente e à correspondente disposição para pagar.

O excedente do consumidor é, assim, a diferença entre a disposição de
pagar o valor atribuído pelo consumidor a um bem, e aquilo que é
efectivamente pago - é, pois, o montante líquido que corresponde ao acréscimo
de bem-estar que o comprador obtém através das trocas. Para
compreendermos melhor este conceito, importa, porém, atermo-nos ao
conceito de utilidade marginal.

6.3. Utilidade marginal. As leis de Gossen.
Em 1730 já Johann Bernoulli (1667-1748) tinha notado que o apreço dado por
um sujeito económico a uma unidade de moeda era inversamente proporcional
ao número das unidades de que dispunha. Só em meados do século XIX,
porém, é que o conceito de utilidade marginal surgiu como fundamento de valor
económico e como critério de apreciação da actividade económica em geral.
Hermann Heinrich Gossen (1810-1858) escreveu a obra “Exposição das leis
nas relações humanas e das regras que delas derivam para as acções do
Homem”, que não foi bem recebida na sua época, na qual afirmava que seria
preciso desfrutar da vida de tal modo que a soma das satisfações obtidas no
decurso da existência atingisse o máximo. Esse seu credo utilitarista assenta
na ideia de que desse modo se cumpriria a vontade do Criador.

Para H.Gossen:

(a) A intensidade de uma dada satisfação, à medida que se prolonga no tempo,
vai diminuindo até à saciedade;

(b) O sujeito económico pode escolher entre várias satisfações, mas não tem a
possibilidade de as alcançar todas de uma maneira completa; por isso,
ainda que possa haver grandes diferenças absolutas, para alcançar o
máximo possível de satisfação, tem de as desfrutar a todas parcialmente e
de tal maneira que a intensidade de cada uma seja, no momento em que
cessa, igual às demais.
Por outro lado, quando a satisfação se renova, verifica-se a repetição da
tendência para a diminuição de intensidade até à satisfação - mas no primeiro
momento da segunda satisfação a intensidade é menor do que em
correspondente momento da primeira, pelo que a saciedade se atinge mais
rapidamente; estas diferenças são tanto maiores quanto mais frequente se
torna a satisfação.

Para Gossen, o sujeito económico só pode, assim, aumentar a sua satisfação
total na medida em que o prazer provocado pelas coisas produzidas for maior
do que o sacrifício imposto pelo esforço de trabalho necessário a essa criação.

E foi assim que H. Gossen formulou, pela primeira vez, o conceito de
desutilidade - o sacrifício feito para além da satisfação de uma necessidade.

Stanley Jevons (1835-1882), Carl Menger (1840-1923) e Léon Walras (1834-
1910), autores da chamada escola marginalista, vieram a desenvolver com
critérios científicos a teoria lançada por Gossen. Jevons defendeu que o valor
de um bem dependeria da utilidade combinada com a raridade. O valor das
coisas dependeria, assim, do grau final de satisfação que permitiriam obter.
Uma vez que as diversas unidades de uma coisa não podem deixar de ter
todas o mesmo valor, é esse grau final que o determina.

Partindo das leis de Gossen, Carl Menger demonstrou como a apreciação
individual das coisas ou valor de uso (por contraponto ao valor de troca)
dependeria da raridade e não da utilidade stricto sensu. Nessa perspectiva, a
utilidade final determina o valor dado a todas as outras unidades do mesmo
bem, uma vez que será sacrificada se o sujeito económico se vir privado de
qualquer delas.
Carl Menger apresentava, assim, um quadro modelo das utilidades
decrescentes, que a seguir apresentamos. Cada número romano representa
uma necessidade a satisfazer e os algarismos árabes exprimem a intensidade
da satisfação ou o grau de utilidade que o sujeito económico vai atribuindo a
cada unidade do bem em causa.
Os sujeitos procuram ordenar a aplicação dos recursos de que dispõem de
forma a conseguirem graus de satisfação marginais idênticos em relação a
todas as necessidades. Este entendimento da utilidade final (a que F. von
Wieser chamou utilidade marginal) explica o chamado paradoxo do valor, já
formulado por Adam Smith e pelos clássicos.
O diamante vale mais do que um bem alimentar para os que têm possibilidade
de satisfazer amplamente todas as suas necessidades, mas já não para os que
não têm as suas necessidades básicas satisfeitas. Correspondendo a linha V
às necessidades satisfeitas pelos diamantes, verifica-se que estes só entrariam
em concorrência com os bens alimentares, da linha I, a partir do valor 5, mas
não antes.

O paradoxo do valor esclarece a distinção entre valor de uso e o valor de
troca. Com o princípio da utilidade marginal é possível explicar a formação do
valor de troca em directa correspondência com o conceito económico de
utilidade. O valor de troca representa as proporções nas diversas quantidades
de bens quando se realizam permutas para que se proceda ao nivelamento das
utilidades dos diferentes bens afectos à satisfação das diversas necessidades.

I II III IV V VI VII VIII IX X
10 9 8 7 6 5 4 3 2 1
9 8 7 6 5 4 3 2 1 0
8 7 6 5 4 3 2 1 0
7 6 5 4 3 2 1 0
6 5 4 3 2 1 0
5 4 3 2 1 0
4 3 2 1 0
3 2 1 0
2 1 0
1 0
0

Partindo da utilidade marginal - base do valor como apreciação subjectiva dos
bens - von Wieser chegou aos conceitos de utilidade total e de valor total.
Utilidade total será a soma das utilidades potenciais de cada unidade, ou seja,
daquelas que a cada uma caberiam se fossem as últimas. E o valor total é o
resultado da multiplicação da utilidade marginal pelo número de utilidades
disponíveis de um bem. Assim, enquanto a utilidade marginal decresce à
medida que aumenta o número de unidades disponíveis, a utilidade total
aumenta à medida que aumenta o número de unidades disponíveis, mas em
proporção decrescente. Já o valor total aumenta com o número de unidades
até ao ponto em que o decréscimo da utilidade marginal compense, no produto,
aquele aumento - mas o valor reduz, até poder chegar a zero, quando os bens
se tornem livres, por deixarem de ser raros.
O conceito de utilidade total é relevante para se saber qual a diferença entre a
utilidade efectivamente recebida e a utilidade subjectiva dos bens - enquanto o
conceito de valor total permite explicar como a troca pode ser vantajosa para
todos os intervenientes no mercado e como se estabelecem os valores
relativos dos diversos bens dos mercados.

Quanto ao valor de mercado, von Wieser distinguia valor efectivo e valor
natural. O valor efectivo é aquele que se estabelece de facto,
correspondendo ao nivelamento das satisfações marginais no grau que cada
sujeito pode obter, com o poder de compra que tem. O valor natural é o que
viria a estabelecer-se se o poder de compra se encontrasse igualmente
distribuído, assegurando um nivelamento geral das utilidades marginais.
Podemos deste modo compreender melhor a importância do conceito de
excedente do consumidor, que procura fornecer uma base objectiva de
avaliação dos efeitos das opções económicas sobre o bem-estar. Não se trata
de considerar apenas o peso das preferências dos consumidores, mas de ter
em consideração o funcionamento concreto do mercado e o acréscimo de bemestar
daí resultante. Veremos, por isso, adiante os conceitos de óptimo e de
equilíbrio - para apurar se um acréscimo de bem-estar se faz ou não à custa do
sacrifício da satisfação das necessidades de algum ou alguns sujeitos
económicos.

6.4. Consumo, poupança e rendimento.

Reportando-nos ao conceito de rendimento, que se refere aos recursos
económicos auferidos pelos sujeitos em resultado do desenvolvimento da vida
económica, temos a distinguir duas componentes fundamentais, o consumo e
a poupança. O rendimento refere-se, assim, a essas duas realidades – ou
realizamos actividades que correspondem ao consumo ou reservamos uma
parte do rendimento para o aforro, adiando o acto de consumo ou prevenindo a
cobertura de um risco futuro (velhice ou doença). Daí que uma unidade
marginal de rendimento seja divisível, no tocante à tendência para consumir
ou poupar, respectivamente, entre propensão marginal para consumir e
propensão marginal para poupar, que adiante estudaremos.
Na vida económica o consumidor vê as suas atitudes e comportamentos serem
influenciados não apenas pelas suas preferências, mas pelas repercussões
dos fenómenos que constituem a criação de bens e serviços aptos a
satisfazerem necessidades. O que vimos sobre as decisões do consumo
também serve para analisarmos a escolha de um ponto de equilíbrio entre o
trabalho e o lazer. O que cada um dispõe para consumir depende do trabalho
e da remuneração auferida. Assim, as decisões no mercado de bens e serviços
é influenciada pelas decisões no mercado de factores produtivos, a começar no
trabalho.
Se recordarmos o quadro referente ao circuito económico, verificamos que
entre as empresas e as famílias, estas não se limitam a comprar bens e
serviços e a pagá-los, uma vez que também prestam trabalho nas referidas
empresas, recebendo salários por essa actividade. Um aumento de
remuneração por hora pode ter em dois trabalhadores efeitos diferentes. A
pode trabalhar mais para conseguir obter um rendimento maior, que lhe
permita melhorar o bem-estar, adquirindo, por exemplo, uma casa própria. B
pode trabalhar o mesmo, limitando-se a obter o ganho correspondente ao
acréscimo da hora de trabalho, e satisfazendo-se desse modo. C pode
trabalhar menos, limitando-se a manter o rendimento auferido anteriormente e
dedicando-se mais ao lazer.

A teoria da escolha do consumidor aplica-se também à poupança. Quem
poupa voluntariamente faz uma escolha entre um consumo presente e um
consumo futuro. Este consumo futuro pode significar segurança na velhice ou
reunião de meios para adquirir algo de que necessita (casa, automóvel). As
taxas de juro, através das quais o sistema bancário remunera o capital, podem
ter uma importância grande aqui. Mas a simples subida da taxa de juro não
garante aumento do nível de poupança. Tudo vai depender dos efeitos de
substituição e do efeito de rendimento. A poupança pode aumentar se forem
encontrados bens sucedâneos que permitam manter os níveis de bem-estar.
Mas poderá diminuir se o efeito de rendimento funcionar induzindo um aumento
de consumo, já que a tendência para consumir será superior nos rendimentos
mais baixos do que nos rendimentos mais elevados.
E se falamos de poupança, teremos também de falar de investimento, uma
vez que a diminuição do consumo pode traduzir-se não só em crescimento da
poupança, mas também em incremento do investimento e da criação de
riqueza. Os particulares têm à sua disposição diversas opções quanto a
investimento, p. ex. depósitos bancários, habitação própria, acções,
obrigações, fundos de investimento.

6.5. Consumo, investimento e despesa.
Se nos reportarmos agora ao conceito de despesa, que se refere aos recursos
económicos pagos pelos sujeitos em resultado do desenvolvimento da vida
económica, temos a distinguir duas componentes fundamentais, o consumo e
o investimento. A despesa refere-se, assim, a essas duas realidades – ou
realizamos actividades que correspondem ao consumo (e aqui há um elemento
comum ao rendimento) ou reservamos uma parte da despesa para o
investimento, procurando criar nova riqueza. Como veremos mais adiante, esse
investimento tem um carácter reprodutivo, articulando os diferentes factores de
produção e criando nova riqueza. Verifica-se deste modo que uma relação
tendencial de correspondência entre os conceitos de Despesa e de
Rendimento e entre a Poupança e o Investimento. No entanto, como veremos
noutro passo do nosso ensino essa identidade é tendencial, registando
normalmente desequilíbrios, que permitem compreender que a vida económica
oscila permanentemente entre o equilíbrio e o desequilíbrio.

Comments: Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?