quinta-feira, janeiro 15, 2009

 

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CAPÍTULO V – Estado, mercado e alocação de recursos

5.1. Fundamentos da análise microeconómica do sector público.
A mais adequada afectação dos recursos materiais à satisfação de
necessidades resultará da liberdade dos agentes económicos e do confronto
livre dos seus interesses no mercado. Pressupõe-se que os preços se fixem
pelo livre jogo da oferta e da procura, automaticamente no mercado. O
mercado tende a optimizar a afectação dos recursos, mas não pode esquecer
a satisfação geral de todos, com o melhor nível de utilidade possível, nas
condições existentes e com os bens disponíveis. Há, no entanto, diversas
limitações que obrigam a conceber uma complementaridade entre o mercado
e os instrumentos de regulação pública. Tais limitações revelam-se quer do
lado do mercado quer do lado do Estado e demais entes públicos.
Já analisámos as falhas ou incapacidades do mercado, importa agora
sistematizar as situações que exigem a regulação da economia por entes
públicos: a desigualdade na distribuição da riqueza, a instabilidade no
conjunto da economia e em sectores específicos (designadamente
considerando os ciclos sazonais, as estações do ano e a instabilidade
meteorológica), o custo crescente dos serviços públicos, as situações
monopolísticas abundantes e crescentes, as actividades económicas que
beneficiam ou prejudicam outras (exterioridades), a provisão inadequada
de bens privados e públicos, a má distribuição de recursos entre o
presente e o futuro (cf. A. L. Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito
Financeiro, Almedina, 4ª ed., p.19).
Não basta proceder a uma análise simplificada da realidade - ora privilegiando
os mecanismos espontâneos de regulação, ora dando ênfase à
heteroregulação ou à intervenção pública. Importa, analisar em concreto os
efeitos de ambos os instrumentos - percebendo-se que o mercado apresenta
incapacidades que têm de ser corrigidas ou superadas e que a intervenção
pública tem efeitos perversos, como a ineficácia das estruturas centralistas,
os efeitos perversos da fixação de preços mínimos ou de controlo
administrativo dos preços e o risco de emergência do mercado negro perante
excessos de intervenção pública. Daí que seja indispensável perceber qual a
relação entre a utilidade dos bens públicos recebidos e a desutilidade
inerente aos impostos pagos, de modo a saber se há ou não aumento de bemestar.

5.2. Economia pública: objectivos e meios de acção.
Perante as incapacidades do mercado, temos de compreender a importância
do papel do mais influente dos agentes do circuito económico, o Estado. A
eficiência e a equidade funcionam como seus referenciais permanentes. Ao
longo dos últimos dois séculos verificou-se uma tensão entre os que defendem
uma concepção de Estado mínimo (Estado guarda nocturno), que se limitaria a
garantir o funcionamento do mercado, enquanto instrumento espontâneo de
regulação económica, e os que, pelo contrário, apontam para um conceito de
Estado produtor, enquanto agente decisivo na orientação da vida económica.
O século XIX foi dominado pelo primeiro conceito, numa lógica livre-cambista,
mas as crises económicas do final do século e a ocorrência da grande
depressão dos anos trinta do século XX, aliadas à emergência da segunda
revolução industrial e à produção de massa conduziram à emergência quer dos
proteccionismos nacionais quer da criação do Estado social moderno,
constituído em garante da cobertura dos riscos sociais e em factor de coesão
e de emprego. A única receita eficaz contra a depressão passou, nas
economias abertas, a ser a intervenção do Estado (v.g. New Deal nos EUA de
F. D. Roosevelt). A esta verificação que acresceu o facto de terem sido
coroados de sucesso os esforços excepcionais das economias de guerra (1914-
18 e 1939-45) e da reconstrução da economia mundial depois da última
conflagração mundial.
Os chamados "trinta anos gloriosos" das economias ocidentais (1945-75) foram
marcados na Europa pelo papel importante dos Estados nas economias abertas
europeias, sem, porém pôr em causa o mercado. Foi o que se designou como
“economia social de mercado”, na fórmula consagrada do Chanceler Ludwig
Erhard. A longa recessão dos anos oitenta, após os choques petrolíferos (1973
e 1979), a crise dos Estados sociais, em virtude do peso crescente da
população não activa, em razão da evolução demográfica, o fim do império
soviético e a falência do modelo colectivista recoloca hoje o tema da
intervenção do Estado, não fazendo já sentido o contraponto simplista entre
Estado mínimo e Estado produtor. Hoje, tende a falar-se sobretudo de um
Estado regulador, importando definir, com clareza, quais os respectivos
objectivos presentes na acção económica pública. A regulação centra-se no
primado da qualidade dos serviços públicos e na concretização do equilíbrio
entre eficiência e equidade. Trata-se de garantir a coesão social, o equilíbrio
entre interesses contraditórios, a defesa da concorrência nos mercados e a
justa repartição de recursos. Na sequência da crise financeira norteamericana
e do “crash” da bolsa de Outubro de 2008, este tema ganhou nova
actualidade, uma vez que foi por falta de regulação dos mercados financeiros
nos Estados Unidos que se precipitou uma situação muito grave indutora de
recessão económica. Daí que o reforço da regulação independente se tenha
tornado uma das preocupações fundamentais para preparar a recuperação, ao
lado da exigência de intervenção do Estado para evitar a falência em massa
de instituições financeiras afectadas por falta de liquidez e para recuperar a
confiança perdida. Daí que o Estado seja hoje chamado a cumprir três
desígnios fundamentais: evitar ocupar o espaço reservado ao mercado, fazer
respeitar a concorrência pela regulação e a preocupar-se com o investimento
reprodutivo e o emprego.

5.3. Políticas públicas: incentivos e desincentivos.
As políticas públicas deparam-se com evidentes limitações na sua eficiência. A
ideia de que a intervenção do Estado deve basear-se no aperfeiçoamento de
instrumentos susceptíveis de melhorar a concorrência e a competitividade do
mercado, articulando-os como mecanismos de redistribuição de riqueza e de
rendimentos, aponta para o privilegiar de meios indirectos que favoreçam
uma melhor articulação entre a oferta e a procura no mercado.
Daí a importância de usar instrumentos indirectos - incentivos e desincentivos,
que permitam orientar os comportamentos dos sujeitos económicos, no
sentido de favorecer situações próximas da concorrência perfeita, de
contrariar a concentração de iniciativas, de recusar a economia subterrânea.
O sistema fiscal pode ser usado como instrumento de incentivo à concorrência
e à transparência – por exemplo, agravando a tributação sobre bens
transaccionados através de paraísos fiscais ou off shores, desagravando a
tributação de sociedades que façam investimentos em inovação tecnológica
ou que privilegiem o capital humano ou baixando a tributação sobre a
aquisição de material informático etc..
Em lugar de intervenções directas ou do alargamento do campo de acção do
sector público, as políticas públicas modernas abrem espaço à economia de
mercado, sem esquecerem a concepção e aplicação de uma regulação pública
eficaz preocupada com a coesão económica e social, com a justa repartição
de recursos e com a eficiência económica.
Na relação entre o poder político e a economia, temos, de um lado, a
ordenação económica, através da qual o Estado define e executa padrões e
quadros no âmbito dos quais vai desenvolver-se não só o comportamento dos
entes públicos como o dos sujeitos económicos - desde a Constituição
Económica à regulamentação pública da economia, passando pelas leis, e pela
organização das instituições relevantes para a vida económica. De outro lado,
temos a actuação económica, a intervenção económica e a direcção
económica do Estado.

Na actuação económica o Estado age por si próprio, como se fosse um
qualquer sujeito económico privado, formulando escolhas e opções
económicas, que não visam, porém, alterar os comportamentos de outros
sujeitos económicos, devendo estar sempre pautadas pela defesa e
salvaguarda do interesse público.

Através da intervenção económica o Estado tenta modificar a forma natural
como os agentes económicos actuariam, quer através das políticas económicas
quer através de acções pontuais através das quais se pretende melhorar a
eficiência económica.

Na direcção económica, característica dos sistemas colectivistas (v. supra) o
Estado modifica os quadros gerais da actividade económica, procurando
substituir-se ao próprio mercado. Nas economias de mercado, apenas a
ordenação, a actuação e a intervenção de Estado são compatíveis com a
liberdade económica e a prevalência dos critérios de regulação ligados ao
mercado.

5.4. Perda absoluta de bem-estar e impostos.
Numa economia monetária cada pessoa procura distribuir o respectivo poder
de compra, adquirindo bens ou serviços de modo a poder nivelar as
satisfações marginais que lhe são proporcionadas pelo consumo. O bem-estar
de cada um depende, pois, mais do rendimento que orienta para o consumo
do que do rendimento que aufere. O bem-estar depende, assim, mais do
aumento ou diminuição das satisfações obtidas do que do seu valor absoluto.
A redistribuição de recursos revela-se uma importante tarefa do Estado,
visando a coesão social, a eficiência e a equidade.
Arthur C. Pigou (1877-1959), continuador de Alfred Marshall na cátedra de
Economia na Universidade de Cambridge, aplicou critérios de bem-estar ao
estudo da distribuição de recursos entre os sectores público e privado,
partindo do princípio de que cada indivíduo recebe utilidades do consumo de
bens públicos e que o pagamento de impostos para financiar esses bens se
traduz numa desutilidade. Assim, para cada sujeito económico, o ponto
óptimo de oferta de bens públicos é aquele em que a utilidade marginal
dos bens públicos é igual à desutilidade marginal do imposto. Se pagasse
mais impostos, a sua utilidade marginal implicaria mais sacrifício do que o
benefício obtido através bens públicos, havendo perda absoluta de bem-estar.
Ao invés, se o mesmo sujeito económico pagasse menos impostos, então a
utilidade do último bem privado usufruído corresponderia à desutilidade
marginal do bem público que obtinha.

5.5. Redistribuição de recursos e intervenção económica.
A necessidade de equilíbrio entre os benefícios e os custos, entre a utilidade e
a desutilidade, aplicada a todos os indivíduos rege a afectação óptima dos
recursos individuais entre bens privados e públicos. Até para que haja ligação
entre equidade e eficiência e equilíbrio entre imposto e bem público,
haverá que conceber os tributos exigidos aos cidadãos em termos tais que
respeitem as capacidades dos contribuintes, de modo a que não haja dúvidas
sobre o interesse e a legitimidade do acto de pagar impostos. Acima do limiar
a partir do qual o imposto pago tem valor maior do que o benefício público
auferido pelos cidadãos, só haverá interesse em receber menos bens públicos
e em não pagar mais impostos.
A distribuição da carga fiscal deve basear-se num princípio de igualdade,
segundo o qual deve ter tratamento o que é igual e diferente o que é
diferente. Assim, os desiguais devem ser tratados desigualmente. Por outro
lado, um equilibrado efeito redistributivo do sistema fiscal gerador da
redução das desigualdades entre os membros de uma sociedade aumenta o
bem-estar geral. Daí que o sacrifício fiscal deva ser repartido de acordo com a
capacidade de cada um para pagar e que as despesas devam ser usadas pelo
Estado para redistribuir o bem-estar de forma equilibrada e igual. Nesse
sentido, a relação entre utilidade e desutilidade do sistema tributário, bem
como o efeito redistributivo dos impostos devem ponderar um conjunto
diversificado e complexo de factores que determinam a coesão social, as
relações de confiança e o nível obtido do capital social.

5.6. Regulação económica.
Depois de analisado o papel do Estado na vida económica, compreendemos
porventura melhor o que estudámos sobre os sistemas económicos e sobre a
sua evolução mais recente. Estamos, assim, em melhores condições para
percebermos que as incapacidades e as falhas de mercado se associam às
incapacidades e falhas da intervenção, o que aponta, de modo claro, para a
necessidade de encontrar novas formas de regulação económica, sobretudo
considerando que à segunda revolução industrial caracterizada pela produção
de massa e em larga escala se contrapõe hoje uma nova vaga de
industrialização baseada fortemente na inovação científica e tecnológica e na
capacidade para aprender mais e melhor.
Daí falar-se cada vez mais de Estado regulador, sociedade pós-industrial, da
aprendizagem ou educativa e de economia do conhecimento. O Estado deixa
de ser o Estado mínimo do século XIX e o Estado produtor do século XX para
passar a ser o Estado catalizador e regulador - capaz de ordenar a
economia, de intervir supletivamente ou subsidiariamente, de usar
métodos indirectos de incentivo e desincentivo a determinados
comportamentos ineficientes e iníquos e de garantir a concorrência
equilibrada e justa. O Estado regulador e catalizador e a economia de
mercado completam-se assim, devendo o primeiro ser um incentivador de
iniciativas e um factor de inovação e de desenvolvimento.
Na passagem da segunda à terceira revolução industrial, em que a produção
de massa dá lugar à inovação tecnológica em grande escala (a partir dos
micro-processadores e do aperfeiçoamento de chips microscópicos),
encontramo-nos diante da abertura de fronteiras e da afirmação da
globalização ou mundialização, o que leva à completa reformulação das
políticas públicas e do papel dos Estados. Os novos espaços supranacionais
(União Europeia, Mercosul) tendem, assim, a assumir progressivamente
funções que tradicionalmente estavam reservadas ao Estados-nações. No dizer
de Daniel Bell, o Estado-nação tornou-se demasiado pequeno ou demasiado
grande para responder aos desafios contemporâneos.

Daí que a noção de regulação tenha ganho uma importância acrescida. Estado
regulador tem, assim de ser capaz de ordenar, através da equilibrada
ponderação dos interesses e valores públicos e privados, as economias,
nacionais e internacionais. E tem ainda de intervir supletivamente (não como
produtor), de usar métodos indirectos de incentivo e desincentivo a
determinados comportamentos ineficientes e iníquos, além de dever garantir
a concorrência equilibrada e justa – o que é especialmente evidente por parte
das Autoridades da Concorrência nacionais ou de outra instâncias de regulação
nacionais (como os Bancos Centrais, para o sector financeiro; a ERSE, no caso
do Sector Eléctrico; a CMVM, no mercado de valores mobiliários, a ERC na
comunicação social, etc.), comunitárias ou internacionais.

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