quinta-feira, janeiro 15, 2009

 

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A divisão do trabalho.

A mobilidade e a interdependência são características das economias
contemporâneas. Os bens de que precisamos são produzidos muitas vezes bem
longe de onde se encontram os consumidores. A iniciativa económica vai ao
encontro das regiões ou dos países onde haja melhores condições na relação
entre custos e benefícios. As fronteiras abriram-se, criaram-se espaços
integrados (como a União Europeia ou o Mercosul), a Organização Mundial do
Comércio (OMC) pugna contra novas formas de proteccionismo e de limitação
da concorrência. A moderna Ciência Económica preocupa-se cada vez mais em
demonstrar que o funcionamento das economias, sejam internacionais sejam
nacionais, não pode depender de um deus ex machina, de uma lógica
dirigista ou de um quadro imperativo, mas sim do desenvolvimento da
liberdade de circulação e de troca, e da complementaridade entre o mercado
e instrumentos de regulação, que permitam à livre concorrência funcionar
com eficiência e equidade.

A divisão do trabalho ou a partilha de tarefas no seio de uma sociedade
verifica-se hoje não apenas no plano nacional ou local, mas cada vez mais no
contexto global. Fala-se, por isso, de mundialização ou de globalização. Os
agentes económicos tomam decisões considerando o mercado concreto que
visam fornecer e os sujeitos económicos interessados em satisfazer as suas
necessidades através dos bens e serviços que lhes são fornecidos. Assim,
muitos milhares de agentes interagem e coordenam as actividades no
mercado, transportando para ele os seus interesses e expectativas.
Há, assim, necessidades diversas, bens e serviços diferentes e a procura das
melhores condições para a satisfação das necessidades. Recordamo-nos, de
novo, do circuito económico. Aí as famílias vão adequar os seus hábitos de
consumo às condições concretas do mercado (p. ex. de bens alimentares ou
de electrodomésticos). Por outro lado, as empresas vão-se especializar de
modo a satisfazerem da melhor maneira os consumidores das famílias que
estão no mercado. A ideia de comércio livre liga-se à troca de bens e serviços
sem limitações ou constrangimentos, procurando-se que todos ganhem com as
trocas que realizam. Na prática, porém, não é isso que acontece, uma vez que
há incapacidades no mercado e há informação imperfeita.

Interdependência e globalização.

No mundo contemporâneo, a divisão do trabalho pressupõe que haja
especialização. Essa especialização leva as economias a organizarem-se de
modo a que todos os intervenientes no mercado obtenham benefícios. Todos
colaboram no mercado quando estão convencidos de que as trocas lhes são
vantajosas. Para tanto é indispensável haver informação completa e que os
diferentes agentes económicos estejam em pé de igualdade. É preciso,
porém, saber se, para obter a informação completa sobre o mercado, os
custos necessários não são superiores aos ganhos esperados com as trocas. É
preciso haver confiança no mercado para que este funcione. E essa confiança
traduz-se na expectativa sobre o funcionamento equilibrado e justo do
mercado.

A globalização decorre da abertura dos mercados e das fronteiras, mas
também envolve a tendência para a concentração das iniciativas e das
empresas, considerando o limiar a partir do qual os custos recomeçam a ser
crescentes. Por outro lado, as disparidades na distribuição de rendimentos nos
mercados mundiais e o agravamento das desigualdades põem em xeque o
funcionamento justo e equilibrado dos mercados mundiais. Basta recordar que
o rendimento por cabeça dos 20 países mais ricos do mundo é cerca de
quarenta vezes superior ao rendimento por cabeça dos 20 países mais pobres.
E há 40 anos essa relação era de vinte vezes.
A racionalidade nas trocas reclama que todos os agentes em presença tenham
benefício. Mas não é necessário que todos tenham um benefício de igual
montante. Há, no mercado, na maior parte dos casos, uma situação de
insatisfação relativa por parte de algum dos intervenientes. No entanto, há
equilíbrio se todos obtiverem alguma satisfação, ainda que parcial. Uma troca
justa não exige que haja equivalência de resultados - é preciso, sim, que não
haja desaparecimento de benefício para alguém.
A maior parte das trocas envolve, porém, uma margem de risco quanto ao
valor do bem ou do serviço transaccionado. É indispensável, por isso, que haja
por parte dos agentes económicos confiança no bom funcionamento do
mercado e condições que impeçam que os custos inerentes à necessidade de
obter a informação necessária a uma transacção equilibrada não anulem os
benefícios esperados e desejáveis.
Considerando as vantagens possíveis e as preferências dos intervenientes no
mercado visa-se, no fundo, garantir que essas se possam equilibrar ou
compensar, mesmo que se saiba que pode haver uma insatisfação relativa em
face das expectativas alimentadas ex ante. Importa, assim, referir os axiomas
das preferências que condicionam o equilíbrio referido.

Axioma da comparação - entre dois conjuntos de bens ou se prefere um a
outro ou se considera que são equivalentes, havendo neste caso equilíbrio na
troca e indiferença na escolha.

Axioma da transitividade - na comparação entre três conjuntos de bens, se A
é preferido ou indiferente em relação a B e se B é preferido ou indiferente em
relação a C, então A é preferido ou indiferente relativamente a C.

Axioma da dominância - entre dois conjuntos de bens, em que um tem maior
quantidade do que outro, é preferido o que apresenta maior quantidade.

Axioma da substituição - se um dos conjuntos é preferido em relação a outro,
é possível torná-los equivalentes, compensando o excesso de um
relativamente ao outro.

3.3. Vantagens absolutas.
Na especialização, temos de saber qual a posição que cada um ocupa no
mercado onde se realizam as trocas, de modo a saber quem tem vantagem.
Trata-se de saber o que é que cada um vai produzir em excesso relativamente
às suas necessidades, para poder trocar com outros, de modo a obter bens e
serviços não produzidos por ele em troca daquele excedente. A esta
vantagem chama-se absoluta. O agricultor vai com o excedente que obtém
na produção de trigo poder trocá-lo pelo excedente de peixe obtido pelo
pescador. É certo que o pescador poderia produzir trigo nas horas vagas no
seu quintal ou que o agricultor poderia comprar um pequeno barco para
pescar aos domingos, mas ambas as soluções são menos eficientes do que a
troca de excedentes. E essa troca dá eficácia à divisão do trabalho. A
especialização e as vantagens absolutas melhoram os resultados se
pensarmos na inovação científica e tecnológica, que caracteriza o nosso
tempo. Dispor de uma vantagem absoluta é conseguir o máximo de
produtividade ao menor custo possível.
Vantagens comparativas.

David Ricardo (1772-1823) analisou a questão da especialização nestes
termos: a Grã-Bretanha deveria ter relações comerciais com Portugal que se
traduzissem na permuta de vinho e tecidos, apesar de em ambos os casos
haver vantagem absoluta dos produtos portugueses, em virtude dos custos. A
solução estaria, porém, em que cada um se especializasse na sua vantagem -
produzindo os britânicos tecidos de lã e os portugueses vinho. Lembremo-nos
de que o Marquês de Pombal tinha criado a região demarcada dos vinhos do
Douro, exigindo assim qualidade internacional na respectiva produção.
Estamos, deste modo, perante o conceito de vantagem comparativa. A
escassez determina que mesmo a economia que tem vantagens absolutas em
ambas as actividades não pode dedicar-se a ambas senão parcialmente. A
eficiência obriga, por isso, à especialização com base na vantagem relativa.
O que vai orientar as opções racionais dos diferentes agentes económicos
reporta-se aos custos de oportunidade - o tempo gasto na actividade menos
produtiva “roubado” à actividade mais produtiva, e vice-versa. Assim, a opção
pela actividade menos produtiva é a que tem mais elevados custos de
oportunidade e a escolha pela actividade mais produtiva é a que tem custos
mais baixos.

O custo de oportunidade corresponde à quantidade de produção de um
bem que é preciso abandonar para se alcançar a produção de mais uma
unidade de outro bem alternativo. Se um agricultor adquire 1 tonelada de
sardinhas por troca com 1 tonelada de trigo, fica a ganhar porque se ele
próprio tivesse pescado 1 tonelada de sardinhas isso ter-lhe-ia custado o
sacrifício de 1,5 toneladas de trigo; por seu lado, se o pescador tivesse
produzido 1 tonelada de trigo isso ter-lhe-ia custado 2 toneladas de sardinha.
Ambos ganharam, pois, com a especialização e a troca, e perderiam se não
houvesse especialização.

Fontes das vantagens comparativas

(a) dotações naturais - Começamos por referir as qualidades inerentes
à natureza - o território rico em minérios ou a plataforma marítima
abundante em pescado. Devemos, por isso, referir em primeiro lugar
que as dotações naturais favorecem o crescuimento económico e a
produção de riqueza. Fixemos, no entanto, um exemplo concreto: a
Noruega era um dos países mais pobres da Europa, no início do século
XIX, em virtude de ter recursos naturais diminutos e por possuir
condições climatéricas muito adversas. No século XIX, a Igreja
Reformada Luterana fez uma forte aposta na educação de todos,
homens e mulheres e só no século XX foram descobertos poços de
petróleo no Mar do Norte que permitiram àquele país, extremamente
pobre em dotações naturais, alterar radicalmente a sua situação nesse
domínio. Na actividade económica a desigualdade nas dotações
naturais não é, assim, uma fatalidade irremediável, pode ser uma
oportunidade de partilha e de enriquecimento. Veja-se o caso de
Portugal, impulsionado para a Expansão marítima, em virtude da
pobreza do território continental em ouro e trigo.

(b) dotações adquiridas - Continuando no caso da Noruega,
verificamos que, ao longo do século XIX, para compensar as carências
extremas nas dotações naturais, o País investiu fortemente em infraestruturas
e em unidades de produção com vista a alcançar níveis
melhores de desenvolvimento e de bem-estar. Temos, pois, que, para
compensar, as dificuldades naturais, há uma decisão políticoeconómica
no sentido de obter capacidades adquiridas. A opção entre o
consumo e o investimento não é, assim, indiferente. Para apurar as
vantagens comparativas, importa sempre partir da complementaridade
entre as dotações naturais e as dotações adquiridas.

(c) capital humano - Ainda no caso norueguês, temos que, como
dissemos, num esforço concertado entre o Estado e a Igreja Reformada
Luterana, ao longo do século XIX, houve um investimento excepcional
na qualificação das pessoas e na escolarização. E a educação das
mulheres revelou-se decisiva na erradicação do analfabetismo em
apenas duas gerações. Essa aposta de índole qualitativa teve efeitos
extremamente importantes. A educação, a formação, a tradição de
conhecimentos, as aptidões técnicas constituem opções decisivas para
o desenvolvimento económico e social. Os progressos qualitativos em
"capital humano" permitem a uma sociedade aproveitar melhor os
recursos disponíveis, beneficiar da evolução da ciência e das
tecnologias, competir melhor e garantir maior produtividade.

(d) cooperação e interdependência - O aperfeiçoamento no tocante à
especialização, designadamente tendo em conta um bom
aproveitamento das inovações tecnológicas, permite obter
significativas vantagens comparativas. Importa, porém, assinalar que a
especialização apenas poderá ser um factor duradouro de vantagem se
não se limitar a aproveitar condições que poderão transformar-se em
elementos de efeito negativo e reversível (mão de obra barata, opções
rotineiras, desumanização). A dimensão do mercado é um elemento
importante a ter em consideração, de modo a permitir a
sustentabilidade de determinadas opções de especialização que deixam
de fazer sentido para mercados de pequena dimensão e de
configuração.

3.6. Relações de troca, confiança e equilíbrio.
A inserção numa sociedade dominada pela interdependência e pelo progresso
técnico dos agentes económicos determina que haja obrigações e custos
inerentes ao nível de desenvolvimento atingido. Tais custos determinam que,
num contexto de mundialização, as vantagens comparativas tenham de
considerar os efeitos positivos e negativos da interdependência. Se é verdade
que há o efeito positivo da dimensão do mercado e o inerente estímulo para o
progresso, não é menos certo que há ainda a pressão da comparação e da
competitividade, bem como a comparação com níveis mais exigentes de
desenvolvimento. À medida que a interdependência avança, mais difícil é
regredir na lógica da troca, do consumo e da satisfação de novas
necessidades. Se uma pessoa quiser bastar-se a si própria, dependendo o
mínimo possível dos outros, terá de prescindir de todas as vantagens da vida
civilizada - e isso será cada vez mais penoso à medida que os níveis de
complementaridade avançam.
As economias abertas e as economias fechadas em regime de autarcia vêemse,
todas elas, em confronto perante os desafios da mundialização e da
interdependência. As tendências mais recentes apontam, com já se disse,
para a abertura de fronteiras, para a criação de espaços integrados regionais
e para a consolidação das economias abertas, havendo, porém, focos
proteccionistas contra os quais se tem batido a Organização Mundial de
Comércio. A liberdade económica, o livre-cambismo (liberdade de circulação
de bens) e o proteccionismo (defesa de um espaço económico) tendem, deste
modo, a dar lugar a uma economia mundial globalizada, mas sujeita a novos
mecanismos de "world governance", que permitam a regulação dos mercados
mundiais, numa perspectiva de equidade, eficiência e justiça. O doux
commerce (Montesquieu) não permite, só por si, uma regulação espontânea
dos mercados e a atenuação do fosso enorme entre os países desenvolvidos e
não desenvolvidos.
Eis porque as relações de troca, na sua complexidade, exigem que haja
confiança mútua entre os diversos agentes económicos, bem como um
equilíbrio entre o peso relativo e a influência dos principais intervenientes no
processo, sem o que não será possível falar de concorrência ou de mercado,
como teremos oportunidade de analisar mais adiante.

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