quinta-feira, janeiro 15, 2009
iec2
2.1. Sistemas económicos. Forma, substância e espírito (Werner
Sombart).
Para compreendermos o fenómeno económico temos de estudar as principais
formas de organização da satisfação das necessidades humanas. Os sistemas
económicos são "formas típicas e globais de organização e funcionamento da
economia baseadas em certo número de princípios fundamentais que regem
economias como estruturas concretas" (cf. A. L. Sousa Franco e G. d'Oliveira
Martins, A Constituição Económica Portuguesa - Ensaio Interpretativo,
Almedina, Coimbra, 1993, pp. 23 e ss.). Adoptamos a tipologias de sistemas
concretos de Werner Sombart (1863-1941), para quem o que caracteriza um
sistema económico concreto são: as instituições fundamentais da vida
económica e social (forma); a técnica dominante de produção (substância) e o
móbil típico que domina o comportamento dos sujeitos económicos (espírito).
Os principais tipos de sistemas concretos, numa perspectiva histórica são:
a) Economia dominial - É o sistema económico que se refere
fundamentalmente ao património imobiliário, sendo dominado por formas de
produção extremamente rudimentares quanto à técnica utilizada muito
dependentes da agricultura, da pecuária e da pesca. Reporta-se aos subtipos
de economia tribal e de economia feudal;
(b) Economia urbana-nacional - A actividade comercial das cidades tornouse,
no período medieval, progressivamente mais importante. Enquanto nas
economias dominiais o princípio orientador da actividade económica é o da
direcção central pelo suserano, na economia urbana tende-se para uma
actividade económica livre. Centrado nas cidades, quer na versão grecolatina,
quer na versão medieval, o sistema torna-se nacional e depois
internacional nos alvores do Renascimento e no período dos Descobrimentos;
c) Economia capitalista - A revolução industrial do século XVIII, iniciada na
Escócia, alterou profundamente a organização económica e os mercados. O
sistema capitalista ou de mercado é o mais antigo da sociedade industrial,
tendo as seguintes características: o mercado, a empresa e o capital, a
iniciativa e a propriedade privadas constituem a forma do sistema, uma
técnica evoluída e dinâmica na produção constitui a substância, o espírito de
ganho, em especial na forma de lucro, constitui o móbil (espírito);
d) Economia socialista (colectivista) - Os sistemas socialistas ou de direcção
central caracterizam-se essencialmente por três traços: a apropriação pública
dos meios de produção, com desaparecimento tendencial da iniciativa privada
capitalista, e gestão administrativa da economia (forma); a actividade
económica subordinada ao plano e subtraída, em princípio, às leis do mercado
(substância); motivações ideais de igualdade, solidariedade social, disciplina e
bem-estar colectivo (espírito).
2.2. Economias de mercado.
O sistema das economias de mercado assenta essencialmente na iniciativa
individual. Cada agente económico (consumidor, produtor, detentor de
recursos) é chamado a decidir sobre o que vai consumir, produzir ou utilizar e
como. Os consumidores adquirem os bens e serviços que desejam, segundo as
suas preferências subjectivas e no limite dos meios de que dispõem. Os
produtores fornecem os bens e serviços que consideram desejável produzir,
mobilizando os factores de produção que consideram adequados, tendo em
conta as necessidades técnicas. Os detentores de recursos decidem
livremente sobre a utilização dos empregos e dos factores disponíveis.
O mercado é o lugar onde se encontram os diferentes agentes económicos e a
regra do jogo é a da troca - cada agente apenas obtém aquilo que compra
mediante uma contrapartida aceite por quem vende. Essa contrapartida é
expressa em unidades monetárias e designa-se por preço. Os mercados são
essencialmente de dois tipos - mercados de produtos, no qual se encontram
Famílias (consumidores) e Empresas (produtores) e no qual se trocam bens e
serviços finais; e mercados de factores, onde se oferecem e procuram os
recursos indispensáveis à actividade produtiva (terra, recursos naturais,
trabalho e capital).
No quadro institucional, as economias de mercado caracterizam-se pelo
reconhecimento: do direito à propriedade individual, da liberdade de
contratar e de trocar, da liberdade de trabalho e da livre iniciativa
empresarial.
2.3. Economias de direcção central.
O sistema das economias de direcção central baseia-se na existência de uma
autoridade política, que decide sobre a alocação de recursos com vista à
satisfação de necessidades. Este dirigismo colectivista teve raízes fortemente
ideológicas no materialismo dialéctico e numa concepção de processo
histórico que conduziria a uma sociedade terminal em que cada um receberia
de acordo com as suas necessidades. Para conduzir a sociedade nesse sentido
haveria que organizar transitoriamente a sociedade como "ditadura do
proletariado". Uma autoridade coordenadora decide, em regra, sobre as
principais actividades económicas. Os consumidores adquirem os bens e os
serviços que lhes permitem adquirir. Os produtores fornecem os bens e
serviços e recorrem aos factores de produção segundo a planificação. Os
recursos são propriedade da autoridade coordenadora.
Através da planificação definem-se os objectivos de produção e consumo -
numa lógica em que o Estado dirige toda a economia. A organização da
produção está nas mãos de funcionários e não de empresários, a livre
contratualização entre sujeitos económicos é substituída por procedimentos
administrativos que asseguram a execução do Plano, o Estado é o principal
proprietário de recursos e factores de produção, não fazendo sentido dar aos
sujeitos individuais direitos exclusivos sobre os bens económicos, uma vez que
essa função é confiada à autoridade planificadora. Os acontecimentos na
União Soviética no final dos anos oitenta (glasnost, perestroika), o fim da
guerra-fria (1989) e o termo do império soviético (1991) puseram em causa
este sistema, que hoje ainda persiste em Cuba ou na República Popular da
China, apesar de neste último caso vigorar a lógica “um país, dois sistemas”…
2.4. Economias mistas. Os modelos renano e anglo-saxónico.
A necessidade de responder às dificuldades práticas postas pela
predominância de mecanismos espontâneos de regulação ou de mecanismos
dirigistas no tocante à satisfação das necessidades nas sociedades
contemporâneas, bem como a exigência de definir e concretizar estratégias
visando contrariar a grave depressão económica originada pela crise
americana de 1929 e o sucesso das políticas públicas postas em prática
aquando da reconstrução da economia europeia depois dos efeitos
devastadores da grande guerra - conduziram as sociedades modernas à
adopção de soluções mistas.
As soluções mistas aceitam os pontos fundamentais da economia de mercado,
atribuindo, porém, ao Estado funções de regulador e de prestador de serviços
públicos, em nome da coesão social e da solidariedade. O Estado não surge,
assim, como planificador e dirigista ou como produtor, mas sim como
catalisador de iniciativas. Nos sistemas de economia mista a liberdade das
escolhas individuais é reconhecida como principal motor da actividade
económica. Deste modo, a forma e a substância das economias mistas são
muito próximas da economia de mercado, apenas se distinguindo o espírito,
que se repercute na existência de instrumentos públicos de racionalização,
gerando a necessidade de equilíbrio entre a autoridade pública e a liberdade
individual.
Enquanto nos Estados Unidos se privilegiam as dinâmicas de mercado, nos
países europeus prevalecem as economias organizadas em função da
concertação e do diálogo sociais. Na Europa podemos, contudo, encontrar
leituras diferentes do modelo europeu de economia social de mercado.
Estamos perante os modelos renano e anglo-saxónico. O primeiro é praticado
por países como a França, a Alemanha, os países do Benelux e os países
escandinavos.
O modelo renano, no dizer de Michel Albert (Capitalisme contre Capitalisme,
Ed. du Seuil, 1991), dá prioridade ao sucesso colectivo, ao consenso e ao
diálogo sociais e a perspectivas de médio e longo prazos. Enquanto o modelo
anglo-saxónico dá mais importância ao sucesso individual, ao espírito de
iniciativa e à livre concorrência.
Ambos os modelos estão hoje confrontados com a crise do Estado-providência
inerente ao seu custo excessivo e ao desequilíbrio entre a população não
activa (que recebe reformas e outros apoios sociais), cada vez mais numerosa,
e a população activa (que cria riqueza e paga impostos, taxas e contribuições
sociais), que regista uma tendência decrescente. Todavia, a dualidade social e
a exclusão persistentes no modelo anglo-saxónico pesam significativamente.
Neste sentido, as economias mistas contemporâneas vêem-se confrontadas
com factores de incerteza, bem patentes nos riscos da progressão intensa e
rápida da produção e do consumo, do endividamento das famílias, das
empresas e do sector financeiro, dos fenómenos de fragmentação social e de
exclusão, bem como nas dificuldades resultantes da necessidade de limitar
despesas públicas até pelas limitações inerentes aos sistemas fiscais.
2.5. Intervenção do Estado e regulação económica.
Acabámos de analisar o modo como as diferentes economias organizam o
respectivo funcionamento, designadamente no tocante à influência e ao peso
relativo da iniciativa individual e do Estado. Importa muito sucintamente
analisarmos quais as razões que levam o Estado a intervir na vida económica e
quais as limitações a essa forma de acção. Já vimos que há determinadas
funções e determinado tipo de bens (públicos ou colectivos) que originam a
actuação do Estado, para fornecer ou prover bens ou serviços que os
particulares não estarão interessados em prestar. Vejamos como tal ocorre.
2.6. Falhas de mercado.
São as seguintes as causas de incapacidades de mercado:
(a) bens colectivos - São, como já vimos aqueles cuja utilização por uma
pessoa não prejudica minimamente a utilização por qualquer outra (farol,
defesa nacional, patrulha costeira), não permitindo que o mercado funcione
relativamente a eles.
(b) custos decrescentes e efeito de monopólio - A actividade produtiva
permite que até um determinado ponto óptimo de combinações de factores
seja possível reduzir os custos, no entanto, a partir desse ponto, os custos são
crescentes. Essa tendência leva à concentração de empresas com vista a
conseguir pelo efeito monopólio garantir que os custos sejam decrescentes, o
que gera ineficiência e prejudica os consumidores - pelo que o Estado é
chamado a intervir para restabelecer a concorrência.
(c) exterioridades e a actividade pública - A actividade económica determina
a existência de utilidades externas (benefícios resultantes de comportamento
alheio) ou desutilidades externas (custos resultantes de comportamento
alheio). Quando uma auto-estrada beneficia uma povoação há uma utilidade
externa. Quando a poluição prejudica uma comunidade há uma desutilidade
externa. O Estado intervém nestes casos para corrigir ou compensar (por
exemplo, através de tributação) estas situações, socializando a exterioridade.
(d) incerteza e risco na actividade económica - Há casos em que os riscos
inerentes à vida em sociedade não podem ser cobertos pelo mercado - como
as reformas, a doença, a invalidez ou a velhice, tornando-se necessário que o
Estado cubra tais riscos através dos sistemas de Segurança Social.
(e) políticas globais de estabilidade e crescimento - O equilíbrio macroeconómico
ou a redistribuição de rendimentos não são passíveis de uma mera
acomodação espontânea dos mercados, pelo que também neste caso o Estado
é chamado a intervir para suprir mais esta incapacidade.
2.7. Falhas de intervenção.
Como vimos, a propósito das economias de direcção central, se o mercado
revela incapacidades, também a intervenção pública as apresenta. Antes de
tudo, importa referir as desutilidades inerentes ao centralismo nas decisões,
bem como o facto de a lógica exclusivamente pública não favorecer o efeito
inovador da concorrência e da competitividade - prevalecendo factores de
ineficiência e de desperdício.
Por outro lado, a tentação de proteger os agentes económicos
(proteccionismo), de programar a evolução económica, de definir preços
administrados não tem em consideração importantes elementos que a livre
iniciativa e o normal funcionamento do mercado melhor compreende, no
tocante aos comportamentos dinâmicos dos produtores e dos consumidores. A
intervenção do Estado não deve, por isso, perder de vista a lógica do
mercado. A autoregulação do mercado e a heteroregulação pública
completam-se, portanto.
2.8. Equidade e eficiência.
Ao falarmos da Economia Política temos presente que a satisfação de
necessidades da comunidade e a realização de escolhas para garantir a melhor
afectação de bens e serviços aos fins que temos em vista estão sempre
condicionadas por dois pólos que determinam a compreensão dos fenómenos
económicos. Referimo-nos à equidade e à eficiência - ou seja, à
indispensável distribuição equilibrada de recursos entre os sujeitos
económicos com base em critérios de justiça, de modo que haja coesão social
e que a comunidade se mantenha a partir da confiança entre os seus
membros, de um lado; e à capacidade de a comunidade alcançar os melhores
resultados, com menores custos e maiores benefícios, por outro.
Uma economia apenas poderá alcançar plenamente as suas finalidades se
souber ligar estes dois elementos - não basta procurar a justiça na
redistribuição de recursos e rendimentos (através de um sistema fiscal justo),
nem desejar obter os maiores ganhos (através da produtividade, da
competição e da concorrência), é necessário ligar os resultados nos dois
domínios. As escolhas económicas têm sempre em mente a conciliação dos
dois pólos. Cria-se riqueza para melhorar o bem-estar e a dignidade das
pessoas, garante-se a justiça social a partir de uma melhor utilização dos
recursos disponíveis. Essa harmonização tem de ser feita através de uma
adequada complementaridade e equilíbrio entre o funcionamento dos
mercados e a intervenção do Estado.
O problema sentido recentemente com a crise financeira norte-americana,
designada como do sub prime obriga-nos a dar uma maior ênfase à regulação
independente dos mercados, uma vez que o acompanhamento existente nos
Estados Unidos se revelou manifestamente insuficiente. As taxas de juro
muito baixas suscitaram uma onde de compras de casa, sem que houvesse
sustentabilidade para o efeito. Por isso, quando o dinheiro se tornou mais
caro e as famílias deixaram de poder pagar aos bancos o que deviam, as
instituições financeiras ficaram muito fragilizadas, pois não eram
suficientemente sustentáveis – e verificou-se o efeito dominó, que atingiu o
sector financeiro no seu todo, repercutindo-se até além fronteiras. A
especulação e os preços muito elevados praticados no mercado imobiliário
tornaram-se responsáveis pela quebra no crescimento e pela perda de valor
das empresas. E assim não funcionou o necessário equilíbrio e a
complementaridade entre o mercado e a regulação pública.
2.9. Produtividade, competição e concorrência.
A decisão económica, a afectação de recursos à satisfação de necessidades, as
trocas, a relação entre produtores e consumidores, a eficiência e a equidade
conduzem-nos a ter de saber quais os resultados da acção dos sujeitos
económicos. Daí termos de estabelecer a relação entre certa quantidade de
produtos e a quantidade de um ou mais factores indispensáveis para a
respectiva produção, a que chamamos índice de produtividade.
Há uma preocupação evidente de medir os fenómenos da produção. Apesar de
tudo, a produtividade encerra o perigo de conduzir à imprecisão ou à
confusão, sobretudo quando se fazem comparações - envolvendo empresas,
sectores e a economia nacional. Poderá considerar-se a totalidade dos
factores de produção ou apenas alguns (capital, trabalho). Do que se trata,
porém, é de saber qual a relação entre a produção total e as combinações dos
factores de produção… Afinal, podemos comparar taxas de crescimento, mas
temos de considerar também o contributo dos factores de produção para essa
evolução. A eficiência dependerá dessa melhor utilização dos factores de
produção. Os diferentes sujeitos económicos, os diversos sectores e países
confrontam-se uns com os outros.
Há a competição inerente à exigência de satisfação de necessidades na
melhor relação de custos e benefícios. Os que apresentarem melhores
condições serão mais competitivos (tecnologias disponíveis, qualificações dos
trabalhadores, qualidade dos produtos). E nestas comparações teremos um
retrato da concorrência, que deverá respeitar determinadas regras, a fim de
que todos estejam em igualdade de circunstâncias. Eis porque é importante a
comparação e o uso do método quantitativo, através das estatísticas. No
entanto, mais importante do que a referência quantitativa é a da análise
qualitativa da evolução das economias que nos leva do conceito de
crescimento ao conceito de desenvolvimento económico e social…
2.10. Economia e Direito.
A Ciência Económica e a Ciência do Direito estudam fenómenos da sociedade
humana - é a mesma realidade social que está em causa. Se Stuart Mill
apontava para a necessidade de o economista não se ater apenas ao estudo
dos fenómenos económicos isoladamente, também o jurista terá de estudar os
fenómenos jurídicos em estreita ligação com o funcionamento da sociedade,
como realidade diversificada e complexa. Quer para o jurista quer para o
economista a economia e a sociedade estão em ligação próxima e os actores
sociais vivem imersos nesse contacto directo. A ordem social e a ordem
jurídica desenvolvem-se tendo em conta a satisfação de necessidades e a
afectação de recursos para a garantir.
O dever ser exige a compreensão exacta do modo como o ser e o ter se
configuram. Estudar o Direito Civil, e neste os direitos reais ou o direito das
obrigações, pressupõe que conheçamos a realidade económica que está
subjacente à posse das coisas ou ao direito de propriedade ou que determina
a celebração de um contrato de mútuo ou de compra e venda. O mesmo se
diga no Direito da Economia ou no Direito Comunitário quando estudam as
regras da concorrência.
François Perroux (1903-1987) falava das relações entre a economia e a
sociedade, a partir dos conceitos de troca, de coacção e de dom. Ora, o
Direito tem exactamente como preocupações fundamentais as ligadas à noção
de sinalagma e de troca - a partir da relação entre direitos e obrigações -, à
noção de coacção e de coercibilidade, para garantir a aplicação da lei e à
noção de gratuitidade ou de dom, bem evidente quando se trata dos direitos
fundamentais, deveres, liberdades e garantias. Neste sentido, o estudo da
Economia Política num curso de Direito é fundamental, não como realidade
excêntrica ou marginal, mas como tema axial para a compreensão do
fenómeno jurídico e da sua hermenêutica, até para se entender o cerne da
feitura das leis e da interpretação da norma jurídica, como devendo ligar
sempre valores e factos económico-sociais. Aliás, os últimos anos têm
conhecido, num dos aspectos específicos desta relação, um grande
desenvolvimento da análise económica dos fenómenos ligados ao Direito - law
and economics - como precioso auxiliar de jure condito e de jure condendo.
Sombart).
Para compreendermos o fenómeno económico temos de estudar as principais
formas de organização da satisfação das necessidades humanas. Os sistemas
económicos são "formas típicas e globais de organização e funcionamento da
economia baseadas em certo número de princípios fundamentais que regem
economias como estruturas concretas" (cf. A. L. Sousa Franco e G. d'Oliveira
Martins, A Constituição Económica Portuguesa - Ensaio Interpretativo,
Almedina, Coimbra, 1993, pp. 23 e ss.). Adoptamos a tipologias de sistemas
concretos de Werner Sombart (1863-1941), para quem o que caracteriza um
sistema económico concreto são: as instituições fundamentais da vida
económica e social (forma); a técnica dominante de produção (substância) e o
móbil típico que domina o comportamento dos sujeitos económicos (espírito).
Os principais tipos de sistemas concretos, numa perspectiva histórica são:
a) Economia dominial - É o sistema económico que se refere
fundamentalmente ao património imobiliário, sendo dominado por formas de
produção extremamente rudimentares quanto à técnica utilizada muito
dependentes da agricultura, da pecuária e da pesca. Reporta-se aos subtipos
de economia tribal e de economia feudal;
(b) Economia urbana-nacional - A actividade comercial das cidades tornouse,
no período medieval, progressivamente mais importante. Enquanto nas
economias dominiais o princípio orientador da actividade económica é o da
direcção central pelo suserano, na economia urbana tende-se para uma
actividade económica livre. Centrado nas cidades, quer na versão grecolatina,
quer na versão medieval, o sistema torna-se nacional e depois
internacional nos alvores do Renascimento e no período dos Descobrimentos;
c) Economia capitalista - A revolução industrial do século XVIII, iniciada na
Escócia, alterou profundamente a organização económica e os mercados. O
sistema capitalista ou de mercado é o mais antigo da sociedade industrial,
tendo as seguintes características: o mercado, a empresa e o capital, a
iniciativa e a propriedade privadas constituem a forma do sistema, uma
técnica evoluída e dinâmica na produção constitui a substância, o espírito de
ganho, em especial na forma de lucro, constitui o móbil (espírito);
d) Economia socialista (colectivista) - Os sistemas socialistas ou de direcção
central caracterizam-se essencialmente por três traços: a apropriação pública
dos meios de produção, com desaparecimento tendencial da iniciativa privada
capitalista, e gestão administrativa da economia (forma); a actividade
económica subordinada ao plano e subtraída, em princípio, às leis do mercado
(substância); motivações ideais de igualdade, solidariedade social, disciplina e
bem-estar colectivo (espírito).
2.2. Economias de mercado.
O sistema das economias de mercado assenta essencialmente na iniciativa
individual. Cada agente económico (consumidor, produtor, detentor de
recursos) é chamado a decidir sobre o que vai consumir, produzir ou utilizar e
como. Os consumidores adquirem os bens e serviços que desejam, segundo as
suas preferências subjectivas e no limite dos meios de que dispõem. Os
produtores fornecem os bens e serviços que consideram desejável produzir,
mobilizando os factores de produção que consideram adequados, tendo em
conta as necessidades técnicas. Os detentores de recursos decidem
livremente sobre a utilização dos empregos e dos factores disponíveis.
O mercado é o lugar onde se encontram os diferentes agentes económicos e a
regra do jogo é a da troca - cada agente apenas obtém aquilo que compra
mediante uma contrapartida aceite por quem vende. Essa contrapartida é
expressa em unidades monetárias e designa-se por preço. Os mercados são
essencialmente de dois tipos - mercados de produtos, no qual se encontram
Famílias (consumidores) e Empresas (produtores) e no qual se trocam bens e
serviços finais; e mercados de factores, onde se oferecem e procuram os
recursos indispensáveis à actividade produtiva (terra, recursos naturais,
trabalho e capital).
No quadro institucional, as economias de mercado caracterizam-se pelo
reconhecimento: do direito à propriedade individual, da liberdade de
contratar e de trocar, da liberdade de trabalho e da livre iniciativa
empresarial.
2.3. Economias de direcção central.
O sistema das economias de direcção central baseia-se na existência de uma
autoridade política, que decide sobre a alocação de recursos com vista à
satisfação de necessidades. Este dirigismo colectivista teve raízes fortemente
ideológicas no materialismo dialéctico e numa concepção de processo
histórico que conduziria a uma sociedade terminal em que cada um receberia
de acordo com as suas necessidades. Para conduzir a sociedade nesse sentido
haveria que organizar transitoriamente a sociedade como "ditadura do
proletariado". Uma autoridade coordenadora decide, em regra, sobre as
principais actividades económicas. Os consumidores adquirem os bens e os
serviços que lhes permitem adquirir. Os produtores fornecem os bens e
serviços e recorrem aos factores de produção segundo a planificação. Os
recursos são propriedade da autoridade coordenadora.
Através da planificação definem-se os objectivos de produção e consumo -
numa lógica em que o Estado dirige toda a economia. A organização da
produção está nas mãos de funcionários e não de empresários, a livre
contratualização entre sujeitos económicos é substituída por procedimentos
administrativos que asseguram a execução do Plano, o Estado é o principal
proprietário de recursos e factores de produção, não fazendo sentido dar aos
sujeitos individuais direitos exclusivos sobre os bens económicos, uma vez que
essa função é confiada à autoridade planificadora. Os acontecimentos na
União Soviética no final dos anos oitenta (glasnost, perestroika), o fim da
guerra-fria (1989) e o termo do império soviético (1991) puseram em causa
este sistema, que hoje ainda persiste em Cuba ou na República Popular da
China, apesar de neste último caso vigorar a lógica “um país, dois sistemas”…
2.4. Economias mistas. Os modelos renano e anglo-saxónico.
A necessidade de responder às dificuldades práticas postas pela
predominância de mecanismos espontâneos de regulação ou de mecanismos
dirigistas no tocante à satisfação das necessidades nas sociedades
contemporâneas, bem como a exigência de definir e concretizar estratégias
visando contrariar a grave depressão económica originada pela crise
americana de 1929 e o sucesso das políticas públicas postas em prática
aquando da reconstrução da economia europeia depois dos efeitos
devastadores da grande guerra - conduziram as sociedades modernas à
adopção de soluções mistas.
As soluções mistas aceitam os pontos fundamentais da economia de mercado,
atribuindo, porém, ao Estado funções de regulador e de prestador de serviços
públicos, em nome da coesão social e da solidariedade. O Estado não surge,
assim, como planificador e dirigista ou como produtor, mas sim como
catalisador de iniciativas. Nos sistemas de economia mista a liberdade das
escolhas individuais é reconhecida como principal motor da actividade
económica. Deste modo, a forma e a substância das economias mistas são
muito próximas da economia de mercado, apenas se distinguindo o espírito,
que se repercute na existência de instrumentos públicos de racionalização,
gerando a necessidade de equilíbrio entre a autoridade pública e a liberdade
individual.
Enquanto nos Estados Unidos se privilegiam as dinâmicas de mercado, nos
países europeus prevalecem as economias organizadas em função da
concertação e do diálogo sociais. Na Europa podemos, contudo, encontrar
leituras diferentes do modelo europeu de economia social de mercado.
Estamos perante os modelos renano e anglo-saxónico. O primeiro é praticado
por países como a França, a Alemanha, os países do Benelux e os países
escandinavos.
O modelo renano, no dizer de Michel Albert (Capitalisme contre Capitalisme,
Ed. du Seuil, 1991), dá prioridade ao sucesso colectivo, ao consenso e ao
diálogo sociais e a perspectivas de médio e longo prazos. Enquanto o modelo
anglo-saxónico dá mais importância ao sucesso individual, ao espírito de
iniciativa e à livre concorrência.
Ambos os modelos estão hoje confrontados com a crise do Estado-providência
inerente ao seu custo excessivo e ao desequilíbrio entre a população não
activa (que recebe reformas e outros apoios sociais), cada vez mais numerosa,
e a população activa (que cria riqueza e paga impostos, taxas e contribuições
sociais), que regista uma tendência decrescente. Todavia, a dualidade social e
a exclusão persistentes no modelo anglo-saxónico pesam significativamente.
Neste sentido, as economias mistas contemporâneas vêem-se confrontadas
com factores de incerteza, bem patentes nos riscos da progressão intensa e
rápida da produção e do consumo, do endividamento das famílias, das
empresas e do sector financeiro, dos fenómenos de fragmentação social e de
exclusão, bem como nas dificuldades resultantes da necessidade de limitar
despesas públicas até pelas limitações inerentes aos sistemas fiscais.
2.5. Intervenção do Estado e regulação económica.
Acabámos de analisar o modo como as diferentes economias organizam o
respectivo funcionamento, designadamente no tocante à influência e ao peso
relativo da iniciativa individual e do Estado. Importa muito sucintamente
analisarmos quais as razões que levam o Estado a intervir na vida económica e
quais as limitações a essa forma de acção. Já vimos que há determinadas
funções e determinado tipo de bens (públicos ou colectivos) que originam a
actuação do Estado, para fornecer ou prover bens ou serviços que os
particulares não estarão interessados em prestar. Vejamos como tal ocorre.
2.6. Falhas de mercado.
São as seguintes as causas de incapacidades de mercado:
(a) bens colectivos - São, como já vimos aqueles cuja utilização por uma
pessoa não prejudica minimamente a utilização por qualquer outra (farol,
defesa nacional, patrulha costeira), não permitindo que o mercado funcione
relativamente a eles.
(b) custos decrescentes e efeito de monopólio - A actividade produtiva
permite que até um determinado ponto óptimo de combinações de factores
seja possível reduzir os custos, no entanto, a partir desse ponto, os custos são
crescentes. Essa tendência leva à concentração de empresas com vista a
conseguir pelo efeito monopólio garantir que os custos sejam decrescentes, o
que gera ineficiência e prejudica os consumidores - pelo que o Estado é
chamado a intervir para restabelecer a concorrência.
(c) exterioridades e a actividade pública - A actividade económica determina
a existência de utilidades externas (benefícios resultantes de comportamento
alheio) ou desutilidades externas (custos resultantes de comportamento
alheio). Quando uma auto-estrada beneficia uma povoação há uma utilidade
externa. Quando a poluição prejudica uma comunidade há uma desutilidade
externa. O Estado intervém nestes casos para corrigir ou compensar (por
exemplo, através de tributação) estas situações, socializando a exterioridade.
(d) incerteza e risco na actividade económica - Há casos em que os riscos
inerentes à vida em sociedade não podem ser cobertos pelo mercado - como
as reformas, a doença, a invalidez ou a velhice, tornando-se necessário que o
Estado cubra tais riscos através dos sistemas de Segurança Social.
(e) políticas globais de estabilidade e crescimento - O equilíbrio macroeconómico
ou a redistribuição de rendimentos não são passíveis de uma mera
acomodação espontânea dos mercados, pelo que também neste caso o Estado
é chamado a intervir para suprir mais esta incapacidade.
2.7. Falhas de intervenção.
Como vimos, a propósito das economias de direcção central, se o mercado
revela incapacidades, também a intervenção pública as apresenta. Antes de
tudo, importa referir as desutilidades inerentes ao centralismo nas decisões,
bem como o facto de a lógica exclusivamente pública não favorecer o efeito
inovador da concorrência e da competitividade - prevalecendo factores de
ineficiência e de desperdício.
Por outro lado, a tentação de proteger os agentes económicos
(proteccionismo), de programar a evolução económica, de definir preços
administrados não tem em consideração importantes elementos que a livre
iniciativa e o normal funcionamento do mercado melhor compreende, no
tocante aos comportamentos dinâmicos dos produtores e dos consumidores. A
intervenção do Estado não deve, por isso, perder de vista a lógica do
mercado. A autoregulação do mercado e a heteroregulação pública
completam-se, portanto.
2.8. Equidade e eficiência.
Ao falarmos da Economia Política temos presente que a satisfação de
necessidades da comunidade e a realização de escolhas para garantir a melhor
afectação de bens e serviços aos fins que temos em vista estão sempre
condicionadas por dois pólos que determinam a compreensão dos fenómenos
económicos. Referimo-nos à equidade e à eficiência - ou seja, à
indispensável distribuição equilibrada de recursos entre os sujeitos
económicos com base em critérios de justiça, de modo que haja coesão social
e que a comunidade se mantenha a partir da confiança entre os seus
membros, de um lado; e à capacidade de a comunidade alcançar os melhores
resultados, com menores custos e maiores benefícios, por outro.
Uma economia apenas poderá alcançar plenamente as suas finalidades se
souber ligar estes dois elementos - não basta procurar a justiça na
redistribuição de recursos e rendimentos (através de um sistema fiscal justo),
nem desejar obter os maiores ganhos (através da produtividade, da
competição e da concorrência), é necessário ligar os resultados nos dois
domínios. As escolhas económicas têm sempre em mente a conciliação dos
dois pólos. Cria-se riqueza para melhorar o bem-estar e a dignidade das
pessoas, garante-se a justiça social a partir de uma melhor utilização dos
recursos disponíveis. Essa harmonização tem de ser feita através de uma
adequada complementaridade e equilíbrio entre o funcionamento dos
mercados e a intervenção do Estado.
O problema sentido recentemente com a crise financeira norte-americana,
designada como do sub prime obriga-nos a dar uma maior ênfase à regulação
independente dos mercados, uma vez que o acompanhamento existente nos
Estados Unidos se revelou manifestamente insuficiente. As taxas de juro
muito baixas suscitaram uma onde de compras de casa, sem que houvesse
sustentabilidade para o efeito. Por isso, quando o dinheiro se tornou mais
caro e as famílias deixaram de poder pagar aos bancos o que deviam, as
instituições financeiras ficaram muito fragilizadas, pois não eram
suficientemente sustentáveis – e verificou-se o efeito dominó, que atingiu o
sector financeiro no seu todo, repercutindo-se até além fronteiras. A
especulação e os preços muito elevados praticados no mercado imobiliário
tornaram-se responsáveis pela quebra no crescimento e pela perda de valor
das empresas. E assim não funcionou o necessário equilíbrio e a
complementaridade entre o mercado e a regulação pública.
2.9. Produtividade, competição e concorrência.
A decisão económica, a afectação de recursos à satisfação de necessidades, as
trocas, a relação entre produtores e consumidores, a eficiência e a equidade
conduzem-nos a ter de saber quais os resultados da acção dos sujeitos
económicos. Daí termos de estabelecer a relação entre certa quantidade de
produtos e a quantidade de um ou mais factores indispensáveis para a
respectiva produção, a que chamamos índice de produtividade.
Há uma preocupação evidente de medir os fenómenos da produção. Apesar de
tudo, a produtividade encerra o perigo de conduzir à imprecisão ou à
confusão, sobretudo quando se fazem comparações - envolvendo empresas,
sectores e a economia nacional. Poderá considerar-se a totalidade dos
factores de produção ou apenas alguns (capital, trabalho). Do que se trata,
porém, é de saber qual a relação entre a produção total e as combinações dos
factores de produção… Afinal, podemos comparar taxas de crescimento, mas
temos de considerar também o contributo dos factores de produção para essa
evolução. A eficiência dependerá dessa melhor utilização dos factores de
produção. Os diferentes sujeitos económicos, os diversos sectores e países
confrontam-se uns com os outros.
Há a competição inerente à exigência de satisfação de necessidades na
melhor relação de custos e benefícios. Os que apresentarem melhores
condições serão mais competitivos (tecnologias disponíveis, qualificações dos
trabalhadores, qualidade dos produtos). E nestas comparações teremos um
retrato da concorrência, que deverá respeitar determinadas regras, a fim de
que todos estejam em igualdade de circunstâncias. Eis porque é importante a
comparação e o uso do método quantitativo, através das estatísticas. No
entanto, mais importante do que a referência quantitativa é a da análise
qualitativa da evolução das economias que nos leva do conceito de
crescimento ao conceito de desenvolvimento económico e social…
2.10. Economia e Direito.
A Ciência Económica e a Ciência do Direito estudam fenómenos da sociedade
humana - é a mesma realidade social que está em causa. Se Stuart Mill
apontava para a necessidade de o economista não se ater apenas ao estudo
dos fenómenos económicos isoladamente, também o jurista terá de estudar os
fenómenos jurídicos em estreita ligação com o funcionamento da sociedade,
como realidade diversificada e complexa. Quer para o jurista quer para o
economista a economia e a sociedade estão em ligação próxima e os actores
sociais vivem imersos nesse contacto directo. A ordem social e a ordem
jurídica desenvolvem-se tendo em conta a satisfação de necessidades e a
afectação de recursos para a garantir.
O dever ser exige a compreensão exacta do modo como o ser e o ter se
configuram. Estudar o Direito Civil, e neste os direitos reais ou o direito das
obrigações, pressupõe que conheçamos a realidade económica que está
subjacente à posse das coisas ou ao direito de propriedade ou que determina
a celebração de um contrato de mútuo ou de compra e venda. O mesmo se
diga no Direito da Economia ou no Direito Comunitário quando estudam as
regras da concorrência.
François Perroux (1903-1987) falava das relações entre a economia e a
sociedade, a partir dos conceitos de troca, de coacção e de dom. Ora, o
Direito tem exactamente como preocupações fundamentais as ligadas à noção
de sinalagma e de troca - a partir da relação entre direitos e obrigações -, à
noção de coacção e de coercibilidade, para garantir a aplicação da lei e à
noção de gratuitidade ou de dom, bem evidente quando se trata dos direitos
fundamentais, deveres, liberdades e garantias. Neste sentido, o estudo da
Economia Política num curso de Direito é fundamental, não como realidade
excêntrica ou marginal, mas como tema axial para a compreensão do
fenómeno jurídico e da sua hermenêutica, até para se entender o cerne da
feitura das leis e da interpretação da norma jurídica, como devendo ligar
sempre valores e factos económico-sociais. Aliás, os últimos anos têm
conhecido, num dos aspectos específicos desta relação, um grande
desenvolvimento da análise económica dos fenómenos ligados ao Direito - law
and economics - como precioso auxiliar de jure condito e de jure condendo.